A frase do título acima é do filósofo austríaco Ludwig Wittegenstein e nos traz uma reflexão: qual mundo estamos compartilhando com nossas crianças com deficiência?
Thaissa Alvarenga* Publicado em 16/09/2021, às 08h26
Diante dos desafios da educação inclusiva, a alfabetização se torna um obstáculo a mais. A linguagem é o instrumento que nos conecta com o exterior, a família, a escola, com as pessoas. “Dizem que falar é fácil. Mentira. É uma das atividades mais complicadas que a espécie humana já inventou”, já dizia Luís Mauro Sá Martino, jornalista, professor e pesquisador, em seu livro Teoria da Comunicação. Em nossa sociedade nos comunicamos por meio de símbolos, textos, emojis, áudio, vídeo, Braille (sistema de escrita tátil utilizado por pessoas cegas ou com baixa visão) e Libras (Língua brasileira de sinais) que é a segunda língua oficial do país, mesmo que a maioria das pessoas não saiba disso.
Então, com tantas maneiras de nos expressar é fácil nos comunicarmos e nos sentirmos incluídos, certo? Para crianças neurotípicas, a alfabetização não acontece da mesma forma como para as outras crianças. Muitas famílias esperam que a criança fale do mesmo jeito que os outros, ou consideram que apenas a fala no idioma, usando a sequência de sujeito+verbo+predicado, seja a única opção. Neste intuito de fazer a criança aprender a falar, deixamos de lado o outro olhar, neste caso, a CAA.
A Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA) destina-se a pessoas sem fala ou sem escrita funcional ou em defasagem entre sua necessidade comunicativa e sua habilidade de falar e/ou escrever. Esta comunicação alternativa abre portas. São gestos, sons, expressões faciais e corporais que se tornam as ferramentas para manifestar desejos, necessidades e opiniões. Textos com símbolos, pranchas temáticas para interpretação de livros e conteúdos, calendários personalizados e vocalizadores são algumas das formas de nos comunicarmos. Mesmo fornecendo diversas formas para a alfabetização, comunicação e leitura, a pessoa com deficiência não é vista como uma comunicadora e leitora de fato. Quem tem filhos com alguma deficiência já escutou a pergunta: ele não fala? Mesmo vendo a criança se comunicar e se expressar de várias formas, o indivíduo só enxerga a fala como tal, se for a mesma fala que a dele.
Eu, como mãe de 3, tenho acompanhado meus filhos nesta fase de alfabetização e vejo como é possível ter meios de comunicação alternativos que estão presentes em nossa vida e que às vezes nem percebemos, como por exemplo um calendário de rotinas diárias ou uma pasta com gravuras onde a criança pode indicar o que deseja. Os livros também nos dão um mundo de possibilidades. Pensando neste poder da leitura, criamos a Cartilha inclusiva “Um Livro, Crianças e Muitas Histórias”, feita em parceria com a Ziraldo Produções, que pode ser um grande apoio para alfabetizar, feita com letra bastão e narrada de maneira poética, sensível e com ilustrações que facilitam o entendimento. A criança com deficiência tem grande potencial para se comunicar e se tornar leitora, mas falta enxergarmos isso.
Uma prova é a Pesquisa Retratos da Leitura do Brasil. A única pesquisa que avalia os hábitos do leitor brasileiro, não inclui no perfil do leitor, pessoas com deficiência. Ela é feita seguindo os critérios de raça, gênero, idade, escolaridade, classe e renda familiar, condição e porte de município, regiões e se é estudante ou não. Para o tipo de leitura só existem duas classificações: livro de papel ou livro digital. Nenhuma CAA é incluída. Nem mesmo a leitura em Braille. Neste imenso grupo de pessoas na pesquisa, não há uma especificação para leitores com deficiência, deixando de fora, quase 46 milhões de pessoas com deficiência (Censo 2010), cerca de 24% da população, que também são leitores. Esta pesquisa é a mais importante que existe no país e vale esta reflexão para a próxima edição.
Neste mês, em que se comemora o Dia Mundial da Alfabetização, convido você para um novo olhar em um mundo onde não limitamos nossos filhos em apenas um modelo de linguagem. Para construirmos uma realidade social em que exista a verdadeira inclusão é preciso usar interpretações que vão além das comuns. O reconhecimento do outro como um ser que se comunica de uma maneira diferente da minha exige um esforço maior. Precisamos transformar o momento da alfabetização em um momento de compreensão, podendo assim criar conexões que permitirão à pessoa com deficiência viver em um mundo que é dela também.
*Thaissa Alvarenga é criadora da ONG Nosso Olhar, do portal de conteúdo Chico e suas Marias e do canal do youtube Inclua Mundo.
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