Doze anos desde a primeira participação, em um dos primeiros programas do Papo de Mãe, Denilce Martins Barbosa conta como tem sido a inclusão de Isis em escola regular
Ana Beatriz Gonçalves* Publicado em 23/08/2021, às 11h24 - Atualizado em 25/08/2021, às 17h42
O Papo de Mãe vem acompanhando a vida da família Martins desde quando Isis tinha apenas 7 meses de vida. Em 2009, Denilce e o esposo foram um dos primeiros convidados do programa em um episódio especial sobre Síndrome de Down. Após 6 anos, desde a última participação de Denilce e Isis no Papo, procuramos a família para falar sobre inclusão.
"Se eu fosse ouvir tudo que disseram, ela não ia ser feliz como ela é hoje", responde Denilce Martins Barbosa sobre como tem sido a vida desde a última vez que conversou com o Papo de Mãe há 6 anos. Mãe de Isis, filha única e com síndrome de Down, muita coisa aconteceu na vida da família, que participou pela primeira vez do programa ainda em 2009. Na época, com Isis em seu colo, Denilce falou sobre a experiência de ter uma bebê com a síndrome de Trissomia do cromossomo 21 (T21).
Agora, 12 anos após a primeira participação de Isis e Denilce no Papo de Mãe, retomamos o contato com elas para entender o que mudou de lá pra cá e, principalmente, como acontece a inclusão na vida da pré-adolescente. "Muitas mudanças, aprendizados e desafios. Em 6 anos muitas coisas mudam, e eu vejo que foram mais ganhos, muito crescimento pessoal, tanto nosso quanto dela, e só temos a agradecer", afirma Denilce, em entrevista de vídeo.
A família que vivia em São Paulo capital, se mudou para o interior, município de Indaiatuba, no final de 2019. Denilce diz que a decisão de deixar a cidade grande em busca de mais qualidade de vida, foi de apreensão e bastante insegurança, especialmente porque Isis estava totalmente adaptada em seu colégio e também a família contava com uma rede ampla de apoio em SP.
"Tínhamos toda estrutura de amizade, de escola, pediatra, e tivemos que começar do zero. Foi uma semana de apreensão, eu pensava: 'Será que ela vai ser aceita? Será que vai acontecer o acolhimento?'. A gente fica preocupada", conta a mãe.
O medo da família não durou muito. Isso porque Isis foi muito bem aceita e recebida na escola nova, que é de ensino regular. Denilce não se esquece que no primeiro dia de aula, conheceu uma mãe e bateu um papo longo. "Quando foi uma semana depois, ela me mandou mensagem e disse que os pais estavam com dúvidas em relação à Isis, já que era a primeira vez que uma criança com T21 estaria na sala de aula. Eu achei isso muito bom".
Denilce diz que sua abertura com a escola e os pais dos colegas, fez toda a diferença para a inclusão de Isis se concretizar.
Eu falei pra eles: 'Pode fazer a pergunta mais cabeluda que for. Ninguém é obrigado a saber de tudo. Estamos nesse mundo para aprender e caminhar juntos. Prefiro que me pergunte, porque enquanto mãe eu tenho que levar a informação", reforça.
Ainda que a escola tivesse preparado o "terreno" para a chegada de Isis – com informações, rodas de conversa e acompanhamento – o diálogo com os pais, e consequentemente, com as crianças, fez com que Denilce percebesse que a filha estava confortável com a situação, tal como os seus colegas.
"Eu costumo dizer que não existe escola perfeita, assim como não existe uma verdade absoluta. A gente não sabe de tudo e quando a escola está afim de aprender junto com você, tudo acontece, é uma parceria", explica.
Ao buscar a filha na escola (antes da chegada da pandemia da Covid-19), Denilce percebeu que Isis estava sendo bem acolhida pelos coleguinhas. "As crianças falavam com ela, gostavam de ter ela por perto. Isso foi me dando um aconchego. Fomos abraçadas", lembra.
Já em relação as atividades escolares adaptadas, Denilce diz se emocionar até hoje ao ver que a filha acompanha o mesmo conteúdo da turma. "Vontade de chorar", afirma ela, que não esconde a emoção de mãe.
Em 2009, quando Denilce participou pela primeira vez do programa Papo de Mãe, ela disse que faria de tudo para que Isis tivesse uma vida mais normal possível, assim como as outras crianças que não têm síndrome de Down. E até agora, ela vem cumprindo com sua promessa, ou melhor dizendo, missão de vida.
"A gente se preocupa. Nessa fase da mudança várias pessoas falaram pra mim: 'Uma coisa você pode ter certeza, ela não passa despercebida', e é verdade, ela se resolve. É muito bem resolvida com a síndrome de Down. Ela conversa, faz amizade... Alguém olha pra ela? Ela vai até a pessoa e fala: 'Oi meu nome é Isis'. A pessoa se desmonta", conta a empresária, com sorriso no rosto.
Mesmo ciente de todas as dificuldades e o preconceito que ainda existe, Denilce diz que ela e seu esposo criam Isis para o mundo e para ser uma pessoa com total independência. "As pessoas acham que ela não pode fazer nada, mas a dinâmica é bem diferente. Ela faz tudo que as outras crianças também fazem. Quando você dá informação muda a perspectiva", garante.
Se desse para definir Isis com apenas um adjetivo, esse com certeza seria "despojada'. A mãe da menina de 12 anos conta que um dos jeitos mais inclusivos de acolher uma pessoa com T21, é focando nas qualidades, afinal de contas, elas não podem serem descartadas só porque existem dificuldades.
"Eu costumo falar que foco mais nas qualidades dela do que nas dificuldades. De verdade, se eu fosse ouvir tudo que me disseram, hoje ela não seria o que ela é, e ela é uma menina muito doce, divertida e que tem orgulho de ter síndrome de Down", afirma.
Comemorado anualmente no dia 21 de março, o Dia Internacional da síndrome de Down (DISD), reconhecido pela ONU (Organização das Nações Unidas), existe para conscientizar a população sobre as pessoas com síndrome de T21, e também garantir que elas tenham os mesmos direitos e oportunidades que todos.
Pensando nisso, a cada ano a Federação Brasileira de síndrome de Down propõe um tema de campanha, o deste foi sobre conexões. Denilce aproveitou a oportunidade para explorar a inclusão que aconteceu em Indaiatuba, para levar uma mensagem bacana: a de que crianças não são preconceituosas e convivem bem com a diversidade se estimuladas.
"Pedi para os amiguinhos da Isis gravarem um vídeo curto falando como é ser amigo dela. Os professores também toparam e o resultado foi muito gratificante. Ouvir o que as crianças tinham a dizer emocionou todo mundo, até os pais delas. Você vê que criança é sincera e o que fala vem do fundo do coração. Isso aproximou ainda mais", conta.
Para a empresária, é preciso normalizar ainda mais as diferenças, e a melhor maneira de concretizar isso é se conectando com o outro. "É preciso se conectar para vivenciar. Se você não se conecta, não dá oportunidade dela [Isis] mostrar quem ela é, e do outro ser quem ele é também".
Apesar de o caso da sua filha ser extremamente positivo, Denilce lembra que ainda existem muitas barreiras a serem quebradas, principalmente quando se trata de inclusão. "A gente sabe que muitas escolas ainda não são inclusivas e isso é muito triste. Ter uma criança com T21 ou outra síndrome intelectual em sala de aula é dar oportunidade da criança entender a diversidade. É um aprendizado que vai e volta, é recíproco".
Para a mãe de Isis, falas como as de Milton Ribeiro, atual ministro da Educação, que afirmou que alunos com deficiência "atrapalham" o ensino dos demais estudantes, é um grande retrocesso.
São anos de luta para ele chegar e dar essa informação sem cabimento. Com certeza é a opinião de muitos e ainda somos minoria. Mas essa minoria também quer seu lugar ao sol. As crianças com síndrome de Down têm o direito de estudar como qualquer outra, está no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Infelizmente a gente depende dessas 'diretrizes' e quem atrapalha é ele".
*Ana Beatriz Gonçalves é jornalista e repórter do Papo de Mãe