Os advogados Douglas Ribas Jr. e Carlos Alberto de Santana explicam os desdobramentos do tema da pensão alimentícia
Douglas Ribas Jr.* e Carlos Alberto de Santana* Publicado em 03/12/2021, às 12h00
Quando o assunto é Direito de Família, questões envolvendo pagamento de alimentos estão entre as mais tormentosas. São corriqueiras discussões envolvendo a fixação, majoração e a exoneração da pensão alimentícia, não raramente gerando sérios atritos entre os pais.
Os alimentos são fundados na relação familiar, mas interessam à sociedade como um todo.
É fato que aquele que não pode prover seu sustento pelo próprio trabalho não merece ser deixado à própria sorte, sendo dever também da sociedade propiciar-lhe sobrevivência através de meios e órgãos estatais ou entidades particulares.
No âmbito familiar, a lei impõe aos parentes do necessitado o dever de proporcionar-lhe as condições mínimas de subsistência, não como favor ou generosidade, mas como obrigação que pode ser exigida judicialmente.
Nesse caso, os alimentos dizem respeito às prestações devidas para a satisfação das necessidades pessoais daquele que não pode provê-las pelo trabalho próprio. Em sentido amplo, compreendem as necessidades vitais da pessoa, com o objetivo de manter sua alimentação, moradia, saúde, vestuário, lazer, educação, entre outras demandas básicas.
Aquele que pleiteia os alimentos é denominado alimentando ou credor; enquanto aquele que deve pagá-los é o alimentante ou devedor.
O fundamento legal para o dever de prestar alimentos nas relações familiares consta do art. 1.694, caput, do Código Civil que tem a seguinte redação: “Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação”.
Os alimentos podem ser próprios ou in natura, que são aqueles pagos em espécie, ou seja, por meio do fornecimento de alimentação, sustento e hospedagem, sem prejuízo do dever de prestar o necessário para a educação dos menores (art. 1.701, caput, do Código Civil).
Alimentos impróprios são aqueles pagos mediante pensão. De acordo com parágrafo único do art. 1.701 do Código Civil, compete ao juiz da causa, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, fixar qual a melhor forma de cumprimento da prestação.
Após a fixação, desde que presentes os requisitos que a lei impõe, pode haver a redução, majoração ou a exoneração do pagamento dos alimentos.
Durante o período em que a pensão alimentícia é devida, aquele que paga alimentos pode se sentir no direito de exigir prestação de contas dos valores despendidos mensalmente, surgindo daí a controvérsia.
A polêmica gira em torno da viabilidade jurídica da ação de prestar (exigir) contas por parte daquele que provê alimentos para obtenção de informações acerca da destinação da pensão paga mensalmente.
Oportuno apontarmos que as hipóteses de suspensão do poder familiar estão previstas no art. 1.637 do Código Civil que assim estabelece:
“Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha. Parágrafo único. Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão”.
Já o art. 1.638 prevê os motivos para a destituição do poder familiar, que são: o castigo imoderado do filho, o abandono do filho, a prática de atos contrários à moral e aos bons costumes e a incidência reiterada nas faltas previstas no art. 1.637 do Código Civil.
Em relação à ação de prestação de contas dos alimentos, diversas decisões judiciais entendiam por sua impossibilidade, sob alegação de ilegitimidade do alimentante e falta de interesse processual, entre outros argumentos.
Esse entendimento, contudo, foi alterado com o ingresso no ordenamento jurídico da Lei nº 13.058/2014 que incluiu a norma contida no § 5º do art. 1.583 do Código Civil, sobre a legitimidade do genitor não guardião para exigir informações e/ou prestação de contas contra a guardiã unilateral.
A questão deve ser analisada, com especial ênfase, à luz dos princípios da proteção integral da criança e do adolescente, da isonomia e, principalmente, da dignidade da pessoa humana, que são consagrados pela ordem constitucional vigente.
Este novo dispositivo consagrou a possibilidade sempre negada pela jurisprudência brasileira do pedido de prestação de contas relativa ao pagamento da pensão alimentícia, atribuindo expressamente legitimidade ao genitor não guardião para solicitar informações ou prestação de contas a respeito da pensão alimentícia.
A possibilidade de exigir contas é inerente ao exercício do poder familiar e da proteção avançada da criança e do adolescente, sob pena de inviabilizar a própria fiscalização da manutenção, sustento e educação dos filhos reconhecida pelo art. 1.589 do Código Civil.
Agora, portanto, passa a ser viável o pedido para que o outro genitor preste informações sobre as despesas realizadas com os alimentos, sob a forma contábil, acompanhada de todos os demonstrativos das receitas e das despesas, do destino dos alimentos pagos pelo genitor provedor.
O objetivo da prestação de contas é o exercício do direito-dever de fiscalização, ou seja, investigar se a aplicação dos recursos destinados ao menor é a que mais atende ao seu interesse, com vistas à tutela da proteção de seus interesses e patrimônio.
Em caso de sinais do mau uso dos valores pagos a título de alimentos ao filho menor, a ação de prestação de contas poderá comprovar se o guardião, de fato, está gerindo e administrando a pensão recebida para melhor proveito da criança e do adolescente. Caso isso não aconteça, poderá ocorrer a modificação da guarda, suspensão do poder familiar ou mesmo sua extinção.
Esclarecemos que esse dever de prestação de contas não se aplica aos alimentos pagos ao ex-cônjuge ou ex-companheiro, muito menos ao filho maior, já que tais destinatários dos montantes são livres e independentes para o gerenciamento dos valores recebidos.
A novidade de entendimento por parte do Poder Judiciário é que recentemente o assunto chegou ao Superior Tribunal de Justiça, que consolidou a questão: a Lei n. 13.058/2014, que incluiu o § 5º ao art. 1.583 do Código Civil, permite a propositura da ação de prestação de contas pelo alimentante com o intuito de supervisionar a aplicação dos valores da pensão alimentícia em prol das necessidades dos filhos.
Os genitores exercem papel fundamental na formação e educação dos filhos.
Assim, é razoável que os genitores procurem agir com boa-fé e espírito de cooperação, especialmente na proteção dos interesses dos menores, sendo certo que a ação de prestação de contas não deve ser utilizada como forma de intromissão na vida daquele que gerencia os alimentos do menor.
*Douglas Ribas Jr. é graduado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) em 1993 e pós-graduado em Direito Processual Civil pela mesma instituição. Cursou Program of Instruction for Lawyers na University of California - Davis. Reconhecido entre os mais admirados advogados de 2015 e 2019 pelo anuário Análise Advocacia, atua em contencioso e consultoria, especialmente nas áreas do Direito Civil, Consumidor, Comercial, Contratos, Imobiliário, Trabalho e Societário.
*Carlos Alberto Santana é consultor da área cível do escritório Douglas Ribas Advogados Associados. Doutor e Mestre em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo - FADISP/SP. Pós-graduado em Direito Processual Civil e em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP. É Professor de Direito Processual Civil e de Direito Civil. Especialista em Direito Imobiliário e em Sistema Financeiro da Habitação. Escreve nas áreas de Direito Processual Civil e de Direito de Família. Advogado atuante nas áreas do Direito Público e do Direito Privado.
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