A pandemia gera fatores de risco para o ganho de peso, como sedentarismo, má qualidade na alimentação, sono prejudicado e estresse
Rodrigo Moraes* Publicado em 11/08/2021, às 07h00
Se bolos, tortas e brigadeiros são tentações difíceis de resistir mesmo quando vistas de longe, na prateleira da doceria ou na gôndola do supermercado, o que dizer se essas gostosuras estiverem logo ali, na cozinha, ao alcance dos olhos e, especialmente, das mãos?
E o que dizer se essas mãos forem, na verdade, mãozinhas de apenas 5 anos, ou, por outro lado, mãozonas de um adolescente de 13, em plena fase de crescimento, que têm dentro de casa a mãe, Tatiana, e a avó, Mara, fazendo bolos e doces artesanais todos os dias. Este é o caso de Lorena e Arthur Bertoni Ferreira.
Antes da Covid-19, uma escorregadinha ou outra na dieta dos irmãos era compensada pelas atividades físicas mais intensas, como as aulas de educação física na escola, por exemplo. No entanto, com a chegada da pandemia e o início da quarentena, as aulas presenciais foram suspenas e o inevitável aconteceu. Passando o dia todo na casa recheada de guloseimas, Lorena chegou ao limite do peso aceitável para a idade enquanto Arthur passou 5 quilos do peso ideal. Mais do que depressa, Tatiana, com orientação de um pediatra, precisou mudar a rotina alimentar da família.
“As sobremesas agora são apenas com frutas. E suco nas refeições, que antes era todo dia, ficou só para o fim de semana”, conta a mãe, que já não servia refrigerante e, depois disso, apertou ainda mais o controle.
A estratégia deu certo. Hoje, nem Arthur nem Lorena exibem mais as gordurinhas extras acumuladas durante os primeiros meses de pandemia. Mas essa, no entanto, não é a realidade para as milhões de crianças e adolescentes que enfrentam o problema de obesidade pelo mundo.
Para que se tenha uma ideia, no Brasil, segundo números do Ministério da Saúde, 30% das crianças estão acima do peso. Ou seja, a cada 10 crianças, 3 têm problemas com a balança. Em todo mundo, 337 milhões de jovens estão fora do peso ideal, como mostram dados reunidos pelo Painel Brasileiro da Obesidade, do Instituto Cordial.
A situação é tão preocupante, que levou a Organização Mundial da Saúde a estabelecer a meta de, em 2025, zerar o crescimento da obesidade no mundo. A tarefa, no entanto, já se sabe, não deve ser cumprida. Lançado pela Federação Mundial da Obesidade, o Atlas Global sobre Obesidade Infantil mostra que menos de 10% dos países do mundo devem cumprir a meta. E nenhum deles tem mais de 50% de chance de chegar lá.
O cenário, que já era ruim, ficou ainda pior com a chegada da Covid-19, como aconteceu na casa de Lorena e Arthur, e como mostra estudo realizado pelo grupo de pesquisadores liderados pelo médico Carlos Nogueira, que é professor da Universidade Federal de São Carlos.
Segundo o artigo “COVID-19 e a obesidade na infância e adolescência: uma revisão clínica”, publicado no Jornal de Pediatria em outubro do ano passado, a necessidade de isolamento social por causa da pandemia pode levar ao aumento do acúmulo de gordura e causar ou agravar a obesidade e suas comorbidades.
“O que acontece é que a Covid-19 gera uma série de fatores que são de risco para a obesidade. O mais óbvio é o sedentarismo, já que as crianças passaram muito tempo em casa sem praticar regularmente as atividades físicas as quais estavam acostumadas, mas há outros também, como a qualidade da alimentação, o sono prejudicado e o estresse”, alerta Carlos Nogueira, que é diretor do Departamento de Nutrologia Pediátrica da Associação Brasileira de Nutrologia.
“É natural que com as pessoas mais em casa, diante de todo a tensão da situação desconhecida e com as crianças presas em casa, a tendência é tentar aliviar o estresse e agradar a criança com comida”, aponta o médico, que chama a atenção ainda para mais dois fatores nem sempre associados ao ganho de peso.
“O sono está relacionado a vários hormônios. Uma criança ou adolescente que dorme mal ou dorme pouco tende a ter mais fome, a ficar mais sedentária e comer com menos qualidade. Com as mudanças de horários de escola, muitas acabaram tendo a rotina de sono alterada e, consequentemente, ganhando peso”.
“O estresse produz cortisol, hormônio que, além de dar fome, favorece o acúmulo de gordura. E as crianças claramente ficaram muito estressadas durante a pandemia devido ao afastamento dos amigos, das brincadeiras, além do medo da própria doença”, complementa Carlos Nogueira.
Para os pais e mães que notaram que os filhos ganharam peso durante o período da pandemia, um primeiro passo pode ser avaliar o Índice de Massa Corporal da criança ou adolescente. Conhecido como IMC, ele é uma medida internacional usada para calcular se uma pessoa está no peso ideal. A Associação Brasileira de Nutrologia, por exemplo, oferece em seu site na internet uma calculadora que permite fazer a avaliação de maneira rápida e fácil. Para isso, basta acessar a página e informar o peso, a altura, idade e sexo. Junto com o resultado, o site apresenta a condição atual da criança ou adolescente.
A avaliação do IMC é um passo importante que pode servir de alerta para os pais. No entanto, Carlos Nogueira reforça a necessidade desse controle somar-se à ajuda de um profissional para lidar com a questão do sobrepeso ou obesidade. “Obesidade ou sobrepeso são casos complexos que frequentemente tem relação direta com uma alimentação inadequada e sedentarismo, mas eventualmente podem existir doenças relacionadas que podem levar ao ganho de peso. O tratamento tem sempre que estar ligado à causa, e nem sempre isso é fácil de diagnosticar”, diz Nogueira, ressaltando que, uma vez diagnosticadas pelo médico, as questões relacionadas ao peso podem receber ainda o auxílio de outros profissionais. Entre eles, estão o educador físico, para o caso de sedentarismo, um nutricionista, para melhorar a qualidade da alimentação, ou até mesmo um fonoaudiólogo, se a situação envolve uma criança que come rápido demais, levando o corpo não perceber a saciedade.
Por fim, é importante lembrar que quando se trata de saúde e alimentação, não é possível deixar de fora fatores sociais e emocionais.
Uma ferramenta inovadora foi desenvolvida para ajudar profissionais de saúde a terem um olhar mais completo sobre a saúde da criança e ajudar nas orientações em relação ao comportamento alimentar. A ferramenta é o Índice de Bem-estar do Brasileirinho (IBB), que integra à nutrição os aspectos emocionais e sociais das crianças.
*Rodrigo Moraes é jornalista
**O Programa Nestlé por Crianças Mais Saudáveis é uma iniciativa global da Nestlé, que assumiu o compromisso de ajudar 50 milhões de crianças a serem mais saudáveis até 2030 no mundo todo. Desde 1999 foram beneficiadas mais de 3 milhões de crianças no Brasil.
Com o lema “muda que elas mudam”, a partir de uma plataforma de conteúdo, o programa estimula famílias a adotarem hábitos mais saudáveis e ainda promove um prêmio nacional que ajuda a transformar a realidade de 10 escolas públicas por ano com reformas e mentorias pedagógicas.
Conheça mais no site do programa
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