Existem 2 milhões de brasileiros sem diagnóstico de TDAH e sem perspectiva de um ensino de inclusão
Isabela Rahal* Publicado em 29/05/2022, às 06h00
“Você nunca vai ser ninguém na vida”, me disse uma professora de inglês na adolescência, porque eu não conseguia ficar parada assistindo a uma aula inteira. Eu tinha 16 anos, e gostava de pensar que isso não me afetaria – meu espírito que sempre foi mais rebelde rebateu que ela não sabia do meu futuro. Mas, mais de 10 anos depois, eu sigo lembrando do momento como se fosse hoje. Claramente, as palavras dela, assim como a de muitos professores meus, tiveram um peso enorme na minha formação.
Eu não sabia, mas tinha Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, o famoso TDAH. Depois de inúmeras expulsões de salas de aulas, celulares e outros objetos perdidos, e uma infância com crises de enxaqueca frutos do estresse enorme de tentar me forçar a ficar parada por horas, eu finalmente entendi tudo. O diagnóstico não me trouxe a cura, mas me trouxe clareza e leveza: não era culpa minha, não era falta de esforço. Era um cérebro que funcionava de uma maneira diferente, só isso.
Isso porque o TDAH tem três componentes, que aparecem em diferentes intensidades: impulsividade, hiperatividade e instabilidade de atenção – e não exatamente déficit – o que explicava a contraditoriedade, para mim, de não conseguir passar uma hora inteira sentada em uma aula, mas virar a noite lendo algum livro com uma história muito interessante e, quando percebia, o sol já estava nascendo.
Foi só mais tarde, quando comecei a estudar políticas públicas, que não só entendi o tamanho da injustiça que havia sofrido, mas também comecei a me perguntar quantos jovens não sofriam o mesmo? Eu tive a oportunidade de uma educação de alta qualidade, apesar de tudo – e os jovens com TDAH que não tem esse mesmo acesso? O quanto são prejudicados, o quanto seus futuros não seriam prejudicados?
A estimativa é que o TDAH acontece em 3 a 5% das crianças – e que cerca de dois terços dessas pessoas carreguem os sintomas pelo resto da vida. E a maior parte deles o faz sem nunca entender o que lhes aflige: existem 2 milhões de brasileiros sem diagnóstico, ou seja, que passam a vida inteira sentindo que o problema é com eles, que falta esforço. Não à toa, os índices de pessoas com TDAH, depressão, ansiedade e outros transtornos são muito altos. Muitos são jovens que jogarão seu futuro fora porque não tiveram, na infância e na adolescência, as respostas que precisavam.
A luta, portanto, é para que mais jovens entendam exatamente o seu diagnóstico, e o que funciona para cada um deles, seja isso medicação, mudança de hábitos, terapia, outodas as anteriores. E isso só vai acontecer se conversarmos cada vez mais sobre o déficit de atenção, sobre outros déficits de aprendizagem e sobre como incluir essas crianças e jovens em uma educação que, hoje, não funciona para eles.
É importante dizer que temos boas notícias por aí: foi aprovada recentemente a Lei 14.254, que determina que as escolas tenham planos especializados para crianças com TDAH, dislexia e outros transtornos de aprendizagem. Isso é um passo importante, mas é necessário que toda a sociedade entenda o que é o transtorno e como ele deve ser tratado. Que os professores entendam, que a escola como um todo incorpore isso e pare de tratar jovens como vilões, mas apenas como estudantes sendo colocados em um modelo engessado de aulas que simplesmente não funciona para eles. Olhar para isso é urgente.
E existe uma opção de futuro diferente. Após o meu diagnóstico, conforme lia e estudava mais a respeito, comecei a entender que havia muitas vantagens na maneira como o meu cérebro funcionava, desde que eu entendesse quais ferramentas poderia usar. De fato eu tinha – e tenho – uma tolerância quase que nula ao tédio e a atividades repetitivas. Mas eu reajo melhor a situações desafiadoras. Consigo prestar atenção em três coisas ao mesmo tempo, adoro ambientes de trabalho acelerados e com muitos problemas a serem resolvidos. Tenho uma maior tolerância ao risco e, quando não sou dura demais comigo mesma, consigo e já consegui alcançar coisas muito maiores do que jamais sonhei.
O que não funcionava para mim era uma educação padronizada e cega ao diagnóstico importante de um transtorno de aprendizagem que não foi tratado. Ao contrário do que dizia minha professora, eu sou alguém muito interessante na vida e meu futuro foi e segue sendo maior do que ela jamais imaginou. E justamente por isso, nesse dia da juventude, que quero que todos os jovens com TDAH também tenham acesso ao seu diagnóstico e possam viver, plenamente, toda a sua potência.
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