Corremos o risco de criar um mecanismo que possibilite os alunos com deficiência fiquem fora do ambiente escolar
Raphael Preto Pereira* Publicado em 15/04/2021, às 00h00 - Atualizado às 17h13
Um projeto de lei, que aguarda votação na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, pretende permitir que crianças com deficiência possam ter alterada a frequência mínima para serem aprovadas no ano letivo. A flexibilização ficaria a critério da escola na qual o estudante estivesse matriculado.
Na justificativa, o autor do projeto, senador Wellington Fagundes (PL-MT), argumenta que em face da realidade adversa que enfrentam, muitas vezes os alunos com deficiência não encontram condições de cumprir a frequência exigida, o que redunda em reprovação e abandono escolar.
Atualmente não há diferenciação e todos os estudantes precisam cumprir no mínimo 75% do período escolar. Se aprovada, além de permitir a flexibilização de frequência, a norma não estabelece uma presença mínima para estudantes com deficiência.
O projeto veio do Senado e agora espera votação na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, onde já há um parecer favorável. Falta agora uma análise do pleno da comissão. Não há data para que isso aconteça.
A proposição tramita em caráter conclusivo, isso significa que depois de aprovada em todas as comissões, a matéria não precisa passar pelo plenário e segue diretamente para a sanção do presidente. O projeto só irá para o plenário, se depois da aprovação de todas as comissões 10% dos parlamentares (51), apresentarem um recurso.
A procuradora federal da terceira região, Eugênia Gonzaga, especialista em direitos das pessoas com deficiência, critica o projeto: “O que esse tipo de projeto pretende é descaracterizar a cidadania desses alunos, como se eles tivessem menos direitos e deveres que outros alunos”, analisa.
Essa é mesma posição da presidente da Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência da OAB de São Paulo, Luciana Bento: “Caso aprovado o projeto de lei, a participação dos alunos com deficiência no sistema educacional poderá ser prejudicada e sua participação reduzida, contrariando a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência que prevê que os Estados Partes assegurem que as pessoas com deficiência não sejam excluídas do sistema educacional sob alegação de deficiência”, explica Luciana.
O Brasil é signatário da Convenção Dos Direitos das Pessoas Com Deficiência desde 2008.
Para a advogada Stella Recheir, sócia do escritório Szazi Bechara Storto Reicher e Figueiredo Lopes Advogados: “ As escolas já têm mecanismos para ponderar a frequência dos estudantes, quando existem situações específicas que justifiquem isso. Corremos o risco de criar um mecanismo que possibilite que as crianças com deficiência fiquem fora do ambiente escolar.”
Para o vice-presidente da comissão dos direitos das pessoas com deficiência da câmara dos deputados, Alexandre Padilha (PT-SP), o que mais preocupa é o contexto em que o projeto foi aprovado: “ Há um grande retrocesso em relação às políticas de pessoas com deficiência. O atual governo estimula que as crianças com deficiência não frequentem a escola juntamente com as demais escolas. É importante que seja levado para o plenário”, alerta o parlamentar.
O presidente Jair Bolsonaro já tentou modificar a política de educação inclusiva brasileira em dezembro de 2020. Ele editou um decreto que favorece a abertura de escolas especiais, que só atendem pessoas com deficiência, em detrimento das escolas regulares, que atendem todos os estudantes ao mesmo tempo e no mesmo espaço.
A iniciativa, entretanto, foi derrubada pelo Supremo Tribunal Federal, que suspendeu os efeitos do decreto por nove a dois, num julgamento realizado pelo plenário virtual, no último dia antes do recesso de fim de ano de 2020.
Mesmo depois da revogação do decreto, o Brasil sofreu com a repercussão negativa do documento. O Blog de Jamil Chade do UOL, mostrou que vários diplomatas criticaram o Brasil em uma carta secreta, pela tentativa de separação de estudantes com e sem deficiência.
O senador Wellington Fagundes foi procurado, mas não respondeu até o fechamento desta reportagem. Quando ele o fizer, terá sua posição publicada na matéria.
*Raphael Preto Pereira é jornalista
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