Especialistas falam do risco da volta da poliomielite em razão da diminuição da vacinação e sobre sequelas motoras da doença
Mariana Kotscho* Publicado em 20/01/2022, às 11h07
Em 1994 o Brasil recebeu o certificado de eliminação da pólio. Mas diante da queda geral da cobertura vacinal no Brasil, especialistas da AACD advertem: o país está no mapa de risco para retorno da poliomielite.
“Essa possibilidade deveria estar preocupando muito as famílias por conta dos riscos inerentes do impacto que a pólio pode causar”, afirma o dr. Ary Hadler, especialista em pediatria da instituição. Para a AACD é inconcebível que, com vacina disponível, ainda se escolha colocar a vida das crianças sob a ameaça de uma doença severa, que causa paralisia em membros como braços, pernas e até da musculatura respiratória.
Dados preliminares divulgados pelo Instituto Bio-Manguinhos, da Fiocruz, obtidos via Datasus, denunciam o tamanho do problema: em 2021 somente 63% das crianças de dois a seis meses de vida receberam a imunização básica (3 doses) contra a poliomielite. Para garantir a proteção coletiva é necessário que 95% das crianças estejam completamente vacinadas.
Diante desse cenário, a AACD adverte que os riscos precisam estar muito claros para pais e mães que não estejam vacinando os filhos. Entre as sequelas mais comuns está a paraplegia, que é a perda total de movimentos das duas pernas. Vítimas da pólio também enfrentam problemas e dores nas articulações, má formação dos pés, crescimento diferente das pernas, osteoporose, paralisia dos músculos da fala, atrofia muscular e hipersensibilidade ao toque, por exemplo.
Comum também é a síndrome pós-pólio, condição que aparece cerca de 15 anos após a infecção e que leva à perda das funções musculares que não tinham sido afetadas anteriormente. As sequelas, portanto, deixam marcas por toda a vida.
A AACD, instituição que oferece atendimento de excelência em ortopedia e reabilitação, entende bem dos desafios deixados pela epidemia, que começou nos anos 50. Entre médicos que trataram inúmeros pacientes da geração mais afetada, a opinião é unânime: não podemos admitir a possibilidade de que a pólio volte a circular, infectar e deixar suas sequelas em nossas crianças.
É necessário intensificar as campanhas de comunicação e vacinação contra a pólio, com informações científicas e corretas sobre a doença e a importância da imunização. “O país que já foi exemplo de adesão em massa às vacinas (com o Zé Gotinha), não pode deixar que seu futuro seja ameaçado por descuidos e informações falsas que a cada dia se espalham mais entre a população” finaliza Alice Rosa Ramos, fisiatra e superintendente de práticas assistenciais da AACD.
Fundada em 1950, a AACD possui uma infraestrutura completa dedicada à reabilitação e habilitação de pessoas com deficiências físicas e pacientes ortopédicos – composta por um hospital ortopédico, sete unidades de reabilitação e cinco oficinas para fabricação de produtos ortopédicos. Realiza em média 800 mil atendimentos anuais para pacientes de todas as idades, via SUS, particular e convênios. Conta ainda com a AACD Lesf (unidade escolar), a área de Ensino e Pesquisa, que dissemina os conhecimentos adquiridos ao longo de sua história aos profissionais de todo o país e com a AACD Esporte, que contribui, por meio da prática esportiva, para a inclusão da pessoa com deficiência.
Meu nascimento foi em casa feito por uma parteira, em uma região rural de Boa Esperança, Paraná, em 1977. Mesmo sendo longe e com dificuldade para ir até o local da vacinação, minha mãe me levou nos primeiros meses de vida, no entanto, quando fui tomar a primeira dose contra a poliomielite eu já estava com o vírus da doença. Todas as outras vacinas necessárias eu tomei, minha mãe levava todos os filhos e nunca negou a importância de se tomar a vacina.
Na época deu um surto muito grande na região onde eu morava, no mesmo período em que tive pólio. Minha mãe se lembra de outras crianças que os pais não fizeram questão de levar para vacinar e de vizinhos em que os dois filhos se infectaram, infelizmente um deles faleceu da doença e o outro irmão sobreviveu com sequelas importantes.
Hoje já adulto tenho uma vida que não me priva de nada que gosto de fazer, como trabalhar com o que eu amo, a música. No entanto fiz inúmeros tratamentos, cirurgias e fisioterapia durante a vida. Passei boa parte da minha infância dentro de um hospital. Tive uma infância muito feliz sim, no entanto parte dela foi dentro de centro cirúrgico e casas de reabilitação, então não é brincadeira.
Sem sombra de dúvida, uma criança com poliomielite tem a vida afetada. Muda a vida da família e dos pais, porque por um período vão se dedicar à reabilitação do filho, para que ele tenha uma qualidade de vida melhor. Não é algo fácil. Claro, depois com muita perseverança você consegue, no entanto depende das sequelas que ficam. No meu caso tive os membros inferiores afetados, consigo ficar em pé, me locomover com muletas e mais agilidade, mas há crianças com sequelas importantes e mais graves, como dificuldade de falar e se alimentar. Então a vacina é de extrema importância.
Os pais precisam se informar mais em fontes seguras e não em fontes negacionistas, que deixam a mente confusa. Talvez não se tenha uma noção grande do que a doença pode causar, já que ela foi erradicada. As pessoas podem achar que por isso não tem mais necessidade de vacinar, mas ela pode voltar por negligência e falta de cuidado. Os filhos não conseguem ir sozinhos tomar a vacina, os pais precisam levar. Só quem teve filhos afetados pela pólio sabe pelo sofrimento que passaram.
Por isso, dar vacina aos filhos é um ato de amor, e quem ama cuida.
*Mariana Kotscho é jornalista, repórter do Papo de Mãe e comentarista do Bem Estar da TV Globo