Papo de Mãe

Adoção de crianças mais velhas cresce no País, mas bebês ainda são preferidos

Roberta Manreza Publicado em 11/04/2016, às 00h00 - Atualizado às 07h43

Imagem Adoção de crianças mais velhas cresce no País, mas bebês ainda são preferidos
11 de abril de 2016


LUÍSA MARTINS – O ESTADO DE S. PAULO

Dados do Cadastro Nacional de Adoção mostram que 711 crianças com mais de 3 anos ganharam família no ano passado

BRASÍLIA – Na frieza dos números, há oito famílias disponíveis para cada criança apta à adoção no País. A equação, na prática, não fecha. Nos abrigos brasileiros, meninos e meninas com idade superior a 3 anos são maioria e, ao mesmo tempo, os menos desejados pelos aspirantes a pais. Ano a ano, os pretendentes têm, timidamente, aberto o leque de preferências etárias, mas a idealização de um filho recém-nascido ainda faz permanecer o descompasso.

Um trauma que a criança mais velha pode carregar – abandono, negligência e até maus-tratos – é uma das principais razões pelas quais as famílias inscritas no Cadastro Nacional de Adoção (CNA) prefiram bebês. “A criança maior já consegue relatar experiências. E mesmo que ela possa misturar fantasia e realidade, é difícil para os pais lidarem com o registro de memória”, diz a psicóloga Sanmya Salomão, coordenadora do programa de adoção tardia da ONG Aconchego, em Brasília.

As estatísticas do CNA – administrado pela Corregedoria Nacional de Justiça, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – mostram que mais de 57% dos pretendentes exigem que seus filhos tenham até 3 anos. A partir daí, o porcentual diminui à medida que a idade aumenta, a ponto de só 5% se interessarem por crianças acima de 8 anos.

Aos poucos, campanhas de conscientização e de preparação para adultos habilitados a adotar têm mudado essa realidade. Em 2015, foram efetivadas 711 adoções tardias – a partir de 3 anos, conforme classificação do Judiciário –, 79 a mais do que em 2014 e 150 a mais em relação a 2013 [ITALIC](mais informações no quadro ao lado).

“Achávamos que poderia ser preconceito, mas, na verdade, a questão é a falta de conhecimento emocional”, diz o juiz Elio Braz Mendes, titular da Vara de Infância e Juventude do Recife.

O problema não é que os adultos prefiram um filho que se encaixe perfeitamente em seus sonhos – a idealização é normal, diz Mendes. “Só que esse desejo precisa ser amadurecido e vir ao encontro da realidade. Não fabricamos crianças”, afirma.

Os abrigados em instituições de acolhimento são, na maioria, meninos pardos de 8 a 17 anos que têm irmãos. Os pretendentes não fazem tanta distinção quanto a sexo ou raça, mas requerem crianças mais novas e, em mais de 70% dos casos, não aceitam adotar irmãos.

Uma das iniciativas da Comarca do Recife foi implementar a campanha “Adote um pequeno torcedor”, apoiado pelo Sport. Crianças com mais de 7 anos que torcem para o clube ganham visibilidade em vídeos transmitidos no estádio e na internet. O objetivo, diz Mendes, é mostrar para a sociedade quem elas são. “Senão ficam na sombra, escondidas nos abrigos como se fossem prisioneiras, o que não são”, afirma. Em seis meses, cinco foram adotadas.

Perfil. No Cadastro Nacional de Crianças Acolhidas (CNCA), 88% delas nas 3.973 instituições de acolhimento do País se enquadrariam no conceito de adoção tardia. Mais de 90% não estão aptas a entrar no CNA em função de pendências judiciais – algumas ainda não foram destituídas do poder familiar biológico, por exemplo.

“Quanto mais tempo a criança permanece em um abrigo, mais complicada pode ser a vinculação a um novo modelo parental. E os pretendentes se perguntam: vou conseguir lidar com isso?”, diz a professora da Universidade Tiradentes (Unit) Marlizete Maldonado Vargas, autora do livro [ITALIC] Adoção Tardia: Da Família Sonhada à Família Possível.

A verdade, segundo ela, é que a adoção de crianças maiores não está mais associada a uma espécie de segunda opção, mas a um interesse genuíno em trocas profundas de afeto. “É uma relação que se constrói de uma forma espontânea e bonita.”

O adulto que queira se habilitar à adoção é obrigado a passar por preparação psicossocial e jurídica. “Muitos argumentam que a jornada seria mais fácil, portanto, com um bebê, que seria mais ‘moldável’”, diz a psicóloga Niva Campos, supervisora da Seção de Colocação em Família Substituta da Vara da Infância e Juventude de Brasília, onde 98% das famílias só aceitam crianças de até 3 anos. Isso é mito. “O bebê é uma ‘caixinha’ muito mais misteriosa.”

Sem imposição. A ministra Nancy Andrighi, corregedora nacional de Justiça, afirma que, apesar dos sonhos de viver todas as etapas da maternidade ou da paternidade, encarar a realidade das crianças abrigadas no Brasil pode fazer com que os pretendentes mudem de ideia. “Quando eles se deparam com um perfil diferenciado daquilo que haviam idealizado, muitos acabam mudando de visão e ajustando suas pretensões”, diz. “O que é natural e só reforça o traço solidário da sociedade brasileira”, afirma.

Segundo corregedora nacional de Justiça, não dá para forçar a adoção de crianças mais velhas

Segundo corregedora nacional de Justiça, não dá para forçar a adoção de crianças mais velhas

Segundo ela, os juizados têm feito um “trabalho exemplar” de conscientização. “A adoção tem a ver com entrega, com um gesto de amor e afeto para uma criança que se encontra em uma situação de desamparo, muitas vezes traumatizada por uma breve história de vida cheia de dor e sofrimento.”

É preciso, porém, cautela. “Não dá para forçar. Existe um movimento que tende a culpar quem prefere um bebê, por causa da demora da fila, mas isso não é verdade, pois a obrigação de garantir o bem-estar das crianças é do Estado”, diz Sanmya Salomão, responsável pelo programa de adoção tardia da ONG Aconchego, em Brasília. “Quando os pretendentes ampliam o limite de idade desejado, embora a intenção seja boa, eles podem não estar preparados para receber essa criança, o que vai prejudicar a adaptação.”

Segundo Niva Campos, da Vara da Infância e Juventude de Brasília, muitos pretendentes têm problemas de fertilidade e querem suprir essa lacuna – uma espécie de luto – com um bebê que até mesmo seja fisicamente semelhante a eles. “É preciso respeitar isso e não demonizar ninguém”, diz.

Respeito. “Não podemos ignorar o desejo de pessoas que ainda não tiveram filhos de exercer a maternidade”, afirma a psicóloga Marlizete Vargas, que pesquisa o tema da adoção na Universidade Tiradentes (Unit).

Insistir na adoção tardia de maneira impositiva pode ser um perigo. Sanmya cita que é contraindicado que adultos aceitem adotar dois irmãos só porque um deles é bebê. “Isso nunca dá certo se não for bem trabalhado. O mais velho vira um acessório, fica em segundo plano”, diz. Também não é recomendado que os pretendentes aceitem crianças maiores só para que a fila ande mais rápido. “A adoção não é caridade.

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