Alda Helena fala como sua trajetória como mãe a fez desbravar o mundo da educação, e conhecer o ensino afro-originário: 'Por que a gente não tem uma escola preta?'
Ana Beatriz Gonçalves* Publicado em 14/09/2021, às 12h18
"Foi um percurso meio maluco. Fiz muita coisa na minha vida. Comecei a trabalhar cedo ajudando a minha avó na cozinha com 12 anos. De lá pra cá eu não parei mais. Sempre fui uma pessoa ativa", começa explicando Alda Helena, mãe, professora, atriz e agora empreendedora e idealizadora da escola MAAT Educação Afro-originária.
Aos 41 anos, Alda encontrou um novo propósito em sua vida com a chegada da maternidade. Narrativas que caminham juntas, uma influenciando a outra. Mas para entender desde o princípio, começo perguntando se ela alguma vez já teria se imaginado fazendo algo tão grandioso e revolucionário.
"Pra mim só existia um jeito de escola. Eu sempre estudei na escola pública. Faltava papel higiênico, estrutura e o currículo pra além das disciplinas passavam apenas artes e educação física. Mas aí esse olhar para a educação nasceu pra mim com o nascimento e crescimento da Naomy", diz ela sobre a sua filha mais velha, hoje com 16 anos.
Ainda quando era mãe de uma, antes da chegada de Nathan, 10, e Nayana, 9, Alda sabia que gostaria que sua filha vivenciasse um outro tipo de ensino, e foi quando descobriu um mar de possibilidades e desafios. Na época, já formada em artes cênicas e administração, ela resolveu estudar pedagogia.
"Fui em uma feira cultural e foi ótima. Eu falei: 'caramba, quero isso pra minha filha’ e comecei a tentar uma bolsa pra ela. Teve um momento que uma professora até falou que aquela escola não era pra gente. Eu não sabia que era algo elitizado. Em algum momento depois disso eu comecei a olhar pra mim e tentar me entender, e nesse processo me veio a necessidade de adentrar na educação em 2015", relembra.
Quando começou a sua graduação, Alda Helena jamais iria imaginar que alguns anos depois iria abrir sua própria escola, a MAAT Educação, voltada para um ensino sob a perspectiva afro-originária. "Eu não pensava em empreender até que veio esse start. Quando você vê os seus filhos crescendo no mundo, você ganha um envolvimento social ainda maior", afirma a pedagoga.
Foi na faculdade de pedagogia que Alda Helena começou a também se entender como mulher preta, e todo engajamento que ela havia perdido até ali por conta do ensino eurocêntrico, contado sob a perspectiva branca da história.
"Sempre me incomodei com essa questão que eu era diferente e sofria com isso, mas não tinha nome. Entender o racismo e me tornar negra foram coisas que encontrei na pedagogia nas poucas aulas de culturas africanas que tivemos", afirma.
O papel da maternidade contribuiu para esse reencontro de Alda com suas matrizes africanas. "Inicialmente me trouxe essa conexão comigo mesma, com a minha essência. Olhar pra minha filha e me ver, e me ver nos defeitos - nas coisas que eu queria melhorar. Quando você começa a entender que tudo que você viveu foi uma mentira, é muito forte e muito violento". Como mãe, a pedagoga tinha certeza do que queria para os seus filhos. Ela sabia que eles deveriam entender quem realmente eram, e não se moldassem para serem aceitos na sociedade.
Quando você chega num momento que percebe que você se moldou e não é aquilo, é muito louco. A primeira questão é nenhuma criança tem que se moldar pra ser aceito, e o racismo faz isso. Quando ele coloca a pessoa preta como um problema, e tem que virar qualquer coisa, essa objetificação, ele corrompe o sujeito. Isso é uma coisa que eu não aceito."
No ano de 2019, logo após ter se formado como educadora, Alda Helena frequentava uma escola de ballet para crianças pretas. Entre um bate-papo e outro com outros pais durante as aulas, ela teve uma ideia que revolucionou a sua própria jornada. "Foi em uma conversa sobre educar os nossos que eu pensei: 'Por que a gente não tem uma escola preta?'. Fiquei com isso dentro da minha cabeça por muito tempo", conta.
Entre rascunhos, com a colaboração de outros educadores, Alda precisou se adaptar à pandemia da Covid-19 que veio logo em seguida. Com estudos e mais estudos, em julho de 2020, ela e seu grupo lançaram uma pesquisa direcionada para pais. O formulário chegou a 700 pessoas e o resultado comprovou o que ela já sabia: um ensino com afro-perspectiva é uma necessidade pra ontem.
Com todas as incertezas da pandemia, Alda começou a investir em um podcast, para começar a apresentar suas ideias e o que acreditava, em paralelo em busca de parcerias e sócio-investidores para conseguir abrir sua escola, que inicialmente seria uma Instituição afrocêntrica.
"A gente pensava nisso, mas percebemos que estaríamos caminhando para outro extremo, e o ensino multicultural também não caiu muito bem pra mim. Por isso hoje a MAAT traz um conceito de afro-perspectiva, mas ainda estamos construindo e tentando captar recursos".
A ideia é inaugurar a escola física da MAAT na data 2/2/2022, mas no momento, eles continuam em busca de juntar um capital inicial de R$ 60 mil para realizar tal desejo. "Estamos sonhando grande. Penso que a escola vai desbravar e mexer com a estrutura. É isso que a gente espera, é um enfrentamento que vai virar resistência. Vamos ter alguns embates, infelizmente poucas instituições de ensino trabalham com essas questões, ainda que a maioria da nossa população seja negra, indígena e afro-originaria", ressalta Alda.
"Nossa história contada pelo olhar do leão, não mais do caçador".(Maat Educação)
Alda Helena garante que a Maat é uma escola para todos, e não somente crianças negras. "Não tem como não ter uma escola inclusiva. Toda história, toda narrativa é importante, mas se você acredita em uma narrativa que é mentirosa, você causa uma ruptura. A primeira questão é essa", explica a idealizadora do projeto.
Para garantir a narrativa afro-originária, a escola vai trazer cerca de 80% dos profissionais negros. "Nossa missão é se tornar referência em relações étnico-raciais", exalta. Já sobre o ensino privado, Alda diz que a instituição vai oferecer bolsas para alunos, com mensalidades mais acessíveis, e também pretende ampliar o processo de formação de professores de escolas públicas ao redor. "Só quando eu entrei na área que comecei a entender que a educação não era algo só para os meus filhos, era algo muito maior. Hoje eu quero para as crianças pretas escolas de muita qualidade, muita referência e cuidado com essa questão racial", concluí.
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*Ana Beatriz Gonçalves é jornalista e repórter do Papo de Mãe
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