Você já deve ter escutado por aí que o recém-nascido é como uma folha de papel em branco pronta para ser preenchida como os pais bem entenderem. Pois esqueça esta bobagem! A teoria até que poderia fazer sentido em meados do século XVII, quando foi disseminada pelo filósofo inglês John Locke. Hoje, porém, cada vez mais a neurociência tem mostrado que o processo de amadurecimento do cérebro é extremamente complexo, começa quando o bebê ainda está em formação na barriga da mãe e segue em transformação até a vida adulta.
A partir das suas 24 semanas de vida pré-natal, o feto já tem nada menos do que 100 bilhões de neurônios e 50 trilhões de sinapses (impulsos elétricos que permitem a comunicação entre as células do cérebro). Tudo isso traz à criança em formação a possibilidade precoce de percepção do ambiente que a cerca, de vivenciar experiências de afeto mesmo através da barriga e até de reconhecer a voz da mãe. Um estudo da Universidade de Brasília usou medição de frequência cardíaca e atividade cerebral para mostrar que recém-nascidos conseguem distinguir a voz da mãe em meio a outras vozes. “Quando escuta a mãe, os batimentos cardíacos ficam mais estáveis, o bebê se acalma e consegue prestar mais atenção no som que está ouvindo”, conta a terapeuta Mônica Lemos, uma das pesquisadoras envolvidas no estudo.
Em 2010, o partido conservador do Reino Unido encomendou ao Instituto Smith uma pesquisa com as últimas descobertas da neurociência moderna sobre os primeiros anos de vida das crianças. O material se transformou na cartilha Early Intervention: Good Parents, Great Kids, Better Citizes (Intervenção Precoce: Bons Pais, Ótimas Crianças e Cidadãos Melhores, em tradução literal), utilizada pelo governo para orientar a adoção de políticas públicas ligadas à primeira infância. Em uma das conclusões do documento, os autores escrevem: “As descobertas científicas recentes sugerem que é o ambiente, ao invés da natureza, que tem papel principal na criação da personalidade humana. Fisiologica e emocionalmente, as crianças precisam de um estimulante, ou seja, precisam estar em um ambiente em que se sentem seguras e amadas. Quanto mais estímulos positivos são dados a um bebê, mais neurônios e sinapses o cérebro será capaz de desenvolver”.
Para Mônica, a cartilha revela o que se observa na prática: quanto mais precoce for o contato da mãe com o bebê, mais seguro ele vai se desenvolver. “E uma criança segura aprende mais fácil, se relaciona melhor e está mais aberta a entender o outro”, reforça a pesquisadora.
Pensando bem, auxiliar no desenvolvimento cerebral de outro ser vivo é uma baita responsabilidade, não? O bom é que você não precisa de muito esforço físico ou financeiro para dar o melhor de si para o seu filho, especialmente nos primeiros meses de vida, que é um período extremamente sensorial. Isso significa que o que vai mesmo contar não é aquele brinquedo colorido, caro, cheio de barulho. Muito menos um iPad – se é dele que você já está lembrando. O que vale aqui para o seu bebê é o contato pele a pele, os olhos nos olhos, um carinho na cabeça, uma massagem depois do banho e, claro, aquela musica de ninar que só os pais sabem cantar. “Pode apostar nessa comunicação não verbal porque ela é extremamente poderosa para o desenvolvimento cognitivo da criança”, defende o neuropediatra Antônio Carlos de Farias, do Hospital Pequeno Príncipe (PR).
Vale lembrar que, independentemente do que você faça, o cérebro do seu filho vai crescer muito até os três anos de idade. Farias explica que no primeiro ano de vida a criança soma 10 ou 12 centímetros aos seus 34 centímetros de massa encefálica (em média) com que nasce. “Para crescer mais 10, o cérebro levará quase a vida inteira”. Esse dado biológico só comprova a importância do cuidado com essa máquina formidável que está aí dentro do seu filho e que merece toda a atenção para se desenvolver, não é mesmo?
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Dica: Assista ao Papo de Mãe sobre Mil Dias e ao Papo de Mãe sobre Estímulo e Desenvolvimento do Bebê