Roberta Manreza Publicado em 06/07/2017, às 00h00
Por Prof. Dr. Mario Louzã*, médico psiquiatra e psicanalista.
O comportamento agressivo de crianças (“child-to-parent”) ou
adolescentes (“adolescent-to-parent”) direcionadas aos pais vem se
tornando um importante tema no contexto da violência doméstica.
Entende-se aqui comportamento agressivo ou violento como qualquer tipo de
expressão verbal ou física que ameaça os pais ou visa o controle de sua
autoridade parental. O objetivo final (intencional ou não) é inverter a
regra usual, segundo a qual os filhos obedecem aos pais.
Não se tratará aqui de comportamentos agressivos em pessoas com
transtornos mentais graves, uma vez que estes fazem parte dos sintomas destes
transtornos.
Também não é o caso de chamar toda criança ou adolescente com
comportamento agressivo de pessoa com “transtorno de oposição e
desafio”, pois esta é uma saída “fácil”, reducionista, e não
contribui para aprofundar a compreensão do problema.
O comportamento agressivo é inerente ao ser humano. É uma característica
da espécie. Em parte, relacionada à própria sobrevivência; em parte, ao
comportamento que visa hierarquizar os membros do grupo. A criança nasce
potencialmente capaz desse comportamento. À medida que cresce, seu
desenvolvimento neuropsicomotor, gradualmente, permite que expresse tal
comportamento.
A criança nasce sem noção de limites. Tão logo começa a engatinhar e
dar os primeiros passos, avança na exploração do meio ambiente, na
tentativa de compreendê-lo e dominá-lo. A partir desse momento, precisa
que os pais (e adultos, em geral) exerçam o papel de impor limites, uma
vez que essa necessidade de exploração pode colocar a criança em
situações de risco. Além do perigo, a imposição de regras permite que
a criança adquira valores para convívio social.
Esse aprendizado precisa começar logo cedo (nos primeiros meses de vida).
O estabelecimento de regras e limites claros facilita a vida da criança,
pois ela não tem maturidade para julgar o que deve e o que não deve
fazer. O exemplo dos pais também é fundamental, já que a criança tem
tendência em imitar o comportamento deles. A medida que cresce, ela
incorpora tais regras, aprende gradualmente a tolerar frustrações e, aos
poucos, vai respeitando os limites por si mesma, desenvolvendo sua
capacidade de autocontrole.
Há ainda poucos estudos sobre os fatores que levam ao comportamento
agressivo das crianças em relação aos pais. No entanto, parece haver um
certo consenso de que a violência doméstica, seja entre os pais, seja
entre os pais com as crianças; é um importante fator que influencia no
comportamento dos filhos. Inversamente, pais excessivamente indulgentes e
permissivos, com dificuldade para colocar limites nos filhos, favorecem as
reações agressivas.
Um fator cultural recente, que também justifica o aumento destes atritos,
é a mudança na autoridade dos pais em relação aos filhos. Hoje, vemos
com frequência pais e filhos no mesmo patamar hierárquico. E há diversos
motivos que contribuíram para esta mudança: uso de drogas, depressão,
exposição à violência nas diversas mídias eletrônicas (TV, filmes,
videogames, internet etc.), pressão de colegas que podem afetar a
personalidade do jovem, entre outros.
Então, o que fazer? Seria possível prevenir ou evitar que os filhos se
tornem agressores dos pais? Embora não haja uma garantia de sucesso,
algumas regras mínimas podem ajudar a reduzir o risco dessa situação:
1. O primeiro passo é a conscientização dos pais de que é sua
responsabilidade educar os filhos. A educação se dá pelas orientações
e explicações dadas aos filhos, e também pelo próprio modo como os pais
se comportam. Os pais são os primeiros modelos que os filhos observam e
procuram se espelhar.
2. Devem também se conscientizar de que há uma hierarquia na relação
pais-filhos, sendo que os pais estão num patamar superior em relação aos
filhos. Pode, e deve, haver amizade entre pais e filhos, mas é preciso
deixar claro que esta amizade é diferente daquela que eles têm com seus
amigos e colegas.
3. Não há como educar sem impor limites. E a colocação de limites
começa cedo, tão logo a criança começa a explorar o ambiente.
4. Os limites devem ser tão claros quanto possível, de modo a não deixar
dúvidas para a criança. Ela tentará ultrapassar o limite, mas saberá
direitinho qual é o limite e saberá que está testando os pais quanto à
colocação do limite.
5. Não adianta querer poupar a criança da colocação de limites. Se os
pais não fizerem isso, a vida real (o mundo “lá fora”) o fará, de
forma muito mais dura e sem piedade.
6. Pais devem estar de acordo quanto ao limite. Se um diz “não” e o
outro diz “sim”, a criança aproveita a brecha e “deita e rola”. A
incoerência entre os pais (um diz ‘sim’ o outro diz ‘não’) é
frequente quando estes são separados, uma vez que muitas vezes a criança
é usada para provocar o ex-cônjuge.
7. Os limites podem variar gradualmente, conforme a idade da criança; da
mesma forma, as recompensas e as punições, se o limite é cumprido ou
não. Os elogios, quando a regra é cumprida, e as repreensões, quando
não é cumprida, também fazem parte desse processo.
8. É importante conversar com a criança sobre suas reações à
frustração, para que ela aprenda a expressá-las de modo verbal, e não
fisicamente.
9. Se a situação começa a sair do controle, procure logo ajuda
psiquiátrica ou psicológica. Não espere, pois quanto mais tarde é a
intervenção terapêutica, mais difícil conseguir um bom resultado.
Em uma situação de agressão já estabelecida, será necessário também
buscar ajuda especializada para uma avaliação detalhada da
criança/adolescente e da família nuclear. Em geral, já se estabeleceu
uma certa dinâmica de interação patológica entre os membros da
família, o que sugere a necessidade de intervenções não apenas para
tratar a criança/adolescente agressivo, mas para trabalhar e modificar a
dinâmica familiar.
*Prof. Dr. Mario Louzã, médico psiquiatra e psicanalista. Doutor em
Medicina pela Universidade de Würzburg, Alemanha. (CRMSP 34330)