A pediatra Rafaella Gato faz uma reflexão neste segundo dia das mães em meio à pandemia. Você já ouviu falar em economia do cuidado?
Rafaella Gato* Publicado em 09/05/2021, às 00h00 - Atualizado às 12h30
Pensando sobre o dia das mães essa semana só conseguia refletir sobre uma coisa: como a gente tem dado conta de tanta coisa nos últimos meses? Especialmente nós, mães. Para completar a explosão mental, comecei e ler e ouvir sobre economia do cuidado. Se você nunca ouviu falar sobre isso sugiro uma procurada simples em site de busca e depois me conta. É uma discussão gigante com recorte não só de gênero, mas também racial, social e tem tudo a ver com economia e como a roda do mundo gira graças ao nosso trabalho invisível dentro de casa.
Desde o começo da “quarentena” sem fim, a sobrecarga das mulheres com os cuidados domésticos com os filhos, a casa, o trabalho, só veio escalonando e escancarando para todos a diferença entre ser mãe neste período. Com a evolução da doença, agora as mulheres também estão na posição principal de cuidados com os doentes da família. Já parou para pensar nisso?
Dois terços dos profissionais de saúde que estão de frente com a Covid-19 são mulheres, sendo que na enfermagem este número chega a 85%. Estas mulheres deixam as suas famílias, filhos e mães todos os dias para irem ao trabalho onde não encontram muitas vezes condições de adequadas, com falta de EPI´S (materiais de proteção para trabalhar), salários abaixo do merecido e ausência de plano de carreira e aposentaria justa.
Em meio a esta crise sanitária, como pensar em futuro para nossas filhas, sobrinhas e mulheres da nova geração se o trabalho feminino segue ainda hoje invisível? A grande leva de desempregados atualmente é de maioria de mulheres que diante da realidade não tinham como retornar ao trabalho ou mantê-lo sem ter com quem deixar os filhos, já que seguimos em isolamento social e a maioria das escolas e creches seguem fechadas. Neste sentido, programas de renda mínima e valorização deste trabalho serão essenciais para o futuro mais seguro de mulheres e crianças nos próximos anos.
As mães que não perderam os empregos, hoje tem renda cerca de 40% menor que homens na mesma posição. Em jornada mais que tripla, gastamos 50% mais tempo que os homens em tarefas domésticas e ainda assim tornamos o trabalho invisível do cuidado como principal subsídio à economia dentro e fora de nossas casas.
A vulnerabilidade não está somente na economia, também está dentro de casa com o alto índice de violência doméstica como mostram números alarmantes nos últimos meses, que não vêm poupando condição econômica e social. Isso acontece sempre que estamos passando por períodos de intensa crise financeira, ou em lugares que passam por desastres ambientais, de acordo com a Unesco. E, agora, está diante de nós.
Então, neste dia simbólico e bem comercial, proponho que possamos inicialmente agradecer o fato de estarmos vivas até agora, nos enlutar pelos que perderam suas mães, filhos e parentes neste show de horror que estamos vivendo, mas também nos olhar com carinho e pensar que, como mães e mulheres, estamos juntas e SIM, nós fazemos a roda deste mundo girar. O que podemos fazer para sermos reconhecidas e valorizadas dentro e fora de casa? Flores e só palavras bonitas por um dia não nos interessam mais. Queremos ações! Feliz todo nosso dia!
*Rafaella Gato é pediatra – @saude4kids