Mesmo ouvindo de muita gente, até mulheres, que isso é uma loucura eu deveria desistir, decidi que iria manter meus planos. Eu iria fazer a teoria caber na prática, mesmo que isso me exigisse muita luta.
Roberta Manreza Publicado em 22/09/2020, às 00h00 - Atualizado às 10h01
Por Fernanda Gomes*
A maternidade foi uma escolha pra mim. Uma escolha difícil, mas ainda uma escolha. E vale ressaltar que isso já me coloca em um lugar de oportunidades e privilégios que muitas mulheres sequer possuem.
Por muitos anos eu fui muito focada na minha carreira profissional e desde o meu primeiro emprego ficou evidente pra mim que as mulheres eram minoria em cargos de liderança. Lembro perfeitamente de olhar para a única mulher gerente naquele lugar e ver como ela sempre estava sozinha nas reuniões. E olhar isso me gerava um misto de orgulho e revolta, que serviu como impulso para que eu quisesse também chegar lá. Decidi que seria também uma mulher em um cargo de liderança quando completasse 30 anos. Eu seria essa mulher.
De lá pra cá dez anos de passaram e eu cheguei lá. Eu me tornei uma dessas mulheres, que ainda continuam sozinhas nessas salas. E mesmo que eu tenha entendido isso, e lutado por mais mulheres nesses espaços, vi que precisávamos de mudanças mais estruturais e escaláveis para resolver os problemas de desigualdade de gênero que enfrentamos.
Com isso em mente decidi entrar na política, outro lugar ainda mais sub representado por mulheres, mas com um potencial imenso de mudança da nossa realidade. E com essa nova meta comecei a me dedicar a essa jornada. Fiz cursos, me especializei, me formei no Renova BR, me aproximei de mandatos em que eu acreditava e decidi me candidatar nessas eleições.
No meio de tudo isso veio a decisão de engravidar. Conversamos em casa e chegamos à conclusão que estávamos esperando um momento ideal que nunca viria. Nunca seria o momento “certo” para termos um filho, e que como queríamos, iríamos lutar para que a nossa vida se adaptasse – e não o contrário.
Então, em abril, fiquei grávida. Nesse momento toda a teoria linda que tínhamos desenhado foi por água abaixo. Fiquei desesperada, pensando que minha candidatura já não era uma opção, fazendo contas de quando seria o parto e pensando loucuras como “e se eu estiver em parto durante a cerimônia de posse, o que acontece?” ou “será que consigo montar uma excelente equipe em 3 dias?” e até mesmo “bom é isso, fica pra próxima eleição”.
Olhava para meu marido e via que o fato dele em breve ser pai não mudou nada seus planos de empreendedor. Foi então que ficou mais claro ainda que é isso mesmo que a nossa sociedade exige, que a gente abdique dos nossos planos quando estamos grávidas e cuidamos dos nossos filhos. Que a gente faça concessões não por nossa escolha, mas porque sofremos preconceito, injustiças e desafios.
Mesmo ouvindo de muita gente, até mulheres, que isso é uma loucura eu deveria desistir, decidi que iria manter meus planos. Eu iria fazer a teoria caber na prática, mesmo que isso me exigisse muita luta.
E se não couber porque esse espaço não foi pensado para isso, a gente vai mudar o espaço. Um espaço que seja maior, que seja suficiente para acolher mulheres, mães e seus filhos. Um espaço de potência onde podemos trazer nossa voz para a política. Um espaço que não nos faça abdicar de nossos sonhos e escolhas, mas que os abrace como oportunidades. Uma política feita por mulheres, e para mulheres.
Agora estamos para entrar na campanha de fato e nunca estive tão certa de uma decisão. Estar grávida só me dá mais força, potência e propósito para me eleger e poder ajudar a fazer as mudanças necessárias para as mulheres de dentro da máquina pública. Para que chegue um dia em que nem passe na cabeça de uma mulher deixar de concorrer a um cargo eletivo só pelo fato de estar grávida.
*Fernanda Gomes é formada em comunicação social, pós graduada em administração pela FGV e cursa uma especialização em políticas públicas e projetos sociais. É também formada pelo Renova BR e fundadora do projeto Existe Ler em SP, do Movimento Participa.