O que realmente pode ter acontecido com a mãe de Gael?
A suspeita é que a mãe de Gael tenha sido a autora do crime. Polícia associa episódio com surto psiquiátrico, mas isso não está confirmado
Ana Beatriz Gonçalves* Publicado em 21/05/2021, às 13h03
Há algumas semanas o Brasil foi surpreendido com mais uma história envolvendo a morte de uma criança decorrente de maus-tratos. Gael de Freitas Nunes, de apenas 3 anos, faleceu na segunda-feira, 10 de maio, após um episódio de violência doméstica envolvendo a sua própria mãe, Andréia Freitas de Oliveira, indiciada por homicídio qualificado.
Segundo o boletim de ocorrência do qual o UOL teve acesso, Gael estava sozinho na cozinha com a mãe, no momento em que a tia-avó, Maria Nanete de Freitas, e a irmã de 13 anos, ouviram barulhos de choro e estilhaços de vidro. Ao entrarem no cômodo, o garoto estava no chão e desacordado. Ele chegou a ser levado para um hospital, mas não resistiu a uma parada cardíaca. A família mora na região da Bela Vista, centro de São Paulo.
Segundo Arianne Angelelli, psiquiatra e colaboradora do Pro-mulher, ambulatório de saúde mental da mulher do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, não é possível afirmar que o que levou Andréia, caso seja confirmado sua autoria na morte de Gael, foram problemas psiquiátricos.
"Não sabemos o diagnóstico, a única coisa importante quando acontece isso, é entender que existe um estigma associado à doenças mentais e à violência. É comprovado que a maior parte das pessoas com problemas mentais não são violentas. Existe um aumento de risco sim, mas isso que aconteceu não necessariamente é explicado por uma doença." (Arianne Angelelli)
De acordo com a polícia, Andréia teria tido um surto psicótico, motivo que a teria levado a cometer o crime. No entanto, laudos psiquiátricos ainda não confirmaram tal comprometimento. Segundo Maria, a mãe de Gael se manteve em estado de choque ainda quando o menino esperava a ambulância. Ela teria retomado a consciência após ser retirada da residência pela polícia. Segundo o boletim de ocorrência, ela foi encontrada em "posição fetal" no banheiro.
Em seu depoimento à 1ª DDM (Delegacia de Defesa da Mulher), a tia-avó de Gael afirmou que Andréia tinha histórico com problemas psiquiátricos, mas não soube afirmar quais seriam eles ou se a mãe do menino passava por acompanhamento clínico.
O advogado de Andréia Freitas de Oliveira, Fábio Gomes da Costa, revelou ao UOL que a primeira coisa que a mulher fez foi perguntar sobre o filho: "O senhor sabe onde está o Gaelzinho?". Ela também não se lembrava do que havia acontecido, como se tivesse um apagão em sua memória.
No momento, a mãe de Gael está na Penitenciária Tremembé 1, no interior de São Paulo. Antes disso, ela chegou a ser levada para o hospital do Mandaqui, na Zona Norte da capital paulista, onde foi medicada e atendida por um psiquiatra. Na ocasião, não foi confirmado pelos médicos que houve um surto psicótico.
Arianne afirma que apesar de pessoas diagnosticadas com algum transtorno ou deficiência mental terem mais chances de vivenciar um "episódio dissociativo" quando se perde a consciência dos próprios atos, pessoas que não passam por tratamentos e não recorrem à medicação também podem passar por isso.
"O que leva alguém a fazer isso? É basicamente essa questão, mas é complexa. Não se sabe o que estava acontecendo na vida da pessoa. Teoricamente, qualquer ser humano, em determinada circunstância, pode perder o juízo em algum momento."
O contexto da pandemia e do isolamento social é outro fator que chama a atenção, de acordo com a médica psiquiatra. "Durante a pandemia, o nível de transtornos mentais aumentou bastante, assim como a violência doméstica. Mas não se pode reforçar, principalmente por casos isolados como esse, o estigma em torno das doenças mentais associadas à violência.
"A especialista afirma também que em casos como o de Andréia, suspeita de matar o próprio filho de 3 anos por conta de um "surto psicótico", é necessário avaliação de um perito para avaliar a situação psiquiátrica. "Não é algo simples de fazer, é delicado e às vezes demorado".
O que é psicofobia?
A psicofobia é o nome usado para reforçar o preconceito com pessoas com transtornos e deficiências mentais. Tal preconceito pode aumentar e dificultar pessoas a procurarem ajuda por medo de retaliação. "Se você associa o transtorno mental com crime, com pessoa de mau-caráter, pode fazer com que alguém que precise de ajuda clínica tenha vergonha ou medo de ser julgada por isso".
*Ana Beatriz Gonçalves é jornalista e repórter do Papo de Mãe
Assista à entrevista com o advogado Ariel de Castro Alves sobre o caso Henry: