O ator e escritor Vinicius Campos fala sobre a importância de dois filmes da Disney, "Luca" e "The Little Prince(ss)", que mostram com naturalidade, e sem preconceito, o amor de um menino pelo balé e a amizade entre dois garotos
Vinicius Campos* Publicado em 25/06/2021, às 09h35
Muito se fala em empoderamento feminino. As mulheres, há muito tempo, começaram a lutar por mais representatividade e por um espaço diferente na sociedade. Aos poucos começamos a perceber algumas mudanças e até empresas como a Disney tiveram que criar filmes com personagens femininos mais realistas. Apareceram inclusive princesas com um perfil mais guerreiro e menos submisso às vontades de um príncipe.
Já para os meninos as coisas ainda são diferentes. O conteúdo produzido supostamente para o público masculino ainda carrega velhos conceitos, e coloca os meninos sempre numa posição de fortaleza, incapazes de falar sobre seus sentimentos e mostrar debilidades. E é claro que isso acontece porque a sociedade ainda não conseguiu perceber o quanto essa mensagem é nociva para os nossos garotos.
Porém esta semana me surpreendi. Na plataforma Disney+ encontrei dois filmes que tocam esse assunto com delicadeza, beleza e muita inteligência.
O primeiro deles foi "The Little Prince(ss)" - um curta metragem que conta a história de um garotinho oriental que quer ser bailarino. O filme, que dura apenas dezenove minutos, consegue registrar e mostrar a beleza da arte, o sofrimento das crianças quando não são aceitas, e o papel que os pais cumprem na hora de educar seus filhos para o amor e a aceitação, ou para o ódio e a falta de respeito.
Fiquei apaixonado pela história e a recomendei a um colega de trabalho que tem dois filhos pequenos. Depois de contar um pouco do que se tratava ele me disse: "bom, vou assistir primeiro para ver se não tem nada nocivo para o meu pequeno."
Nocivo? Dança? Em que momento o mundo afastou dos meninos a possibilidade de dançar? Em que momento começamos a achar normal que meninos lutem, usem armas, assistam filmes de guerra, mas entendemos que a dança traz certo "perigo". Mover o corpo ao som de uma melodia é libertador, prazeroso e devia ser parte do nosso cotidiano. Dançar é se expressar, é se sentir livre, dançar é um ato carregado de amor e de beleza. Mas no mundo onde se cria meninos incapazes de sentir ou de falar de seus sentimentos, os pais de família se sentem ameaçados pela possibilidade de ver seus filhos movendo seus corpos.
Também foi nesta semana que assisti "Luca", a nova animação da Pixar, que conta uma história de amizade entre dois meninos, Luca e Alberto. Emocionante, divertido, profundo, como tudo o que a Pixar vem fazendo. Fiquei apaixonado pelo filme, e dias depois li matérias dizendo que alguns pais estavam indignados porque a verdadeira mensagem por trás do filme é que aqueles garotos na verdade eram gays. Oi? O diretor até saiu para explicar que na infância o amor romântico ainda não existe, mas sabemos bem como funciona a cabeça dos conservadores.
Na infância dos nossos meninos, também a amizade está mal vista. Não podemos amar um amigo, não podemos dividir momentos, muito menos demonstrar carinho. Há uma pressão para que a amizade entre meninos seja cheia de esporte e de lutinhas, porque um carinho, um abraço ou um beijo são "coisa de marica" e devem ficar longe das nossas crianças.
Que pena não poder ter e ser um amigo de verdade. Se olhamos para as meninas, elas costumam ter amizades muito mais saudáveis, cheias de abraços, elogios, cheias de cuidado. E isso se reflete não só na infância, mas também na vida adulta. Numa rodinha de mulheres, entre outras coisas, elas falam sobre aquilo que sentem, expõem seus sentimentos, dizem para aquela amiga que se sente meio mal: "você é linda, você é capaz, você é incrível". Já no grupinho dos homens falam de futebol, de política, fazem piadinhas uns com os outros, mas não há espaço para falar daquilo que sentem. Nunca podem ou devem mostrar debilidades, nós homens sempre precisamos ser fortes e mostrar que está tudo bem.
Acho que já falei aqui e repito porque é alarmante: o número de suicídio na adolescência é três vezes maior entre garotos que entre garotas. Por que será?
Ontem no trabalho, para outro colega, eu disse que ele era lindo. Olhos grandes, boca bem feita, uma beleza. E ele me respondeu: "obrigado, mas não sou gay." Eu ri porque entendo que infelizmente nós homens fomos educados para pensar assim. Que triste não poder elogiar um amigo sem que isso coloque em questão a nossa sexualidade, que triste não poder fazer um filme falando de amizade, que pena que os homens estão tão preocupados e com tanto medo de ser gays que perdem a possibilidade de se conectar com outros e ter relações profundas de amizade, em ter espaços para falar daquilo que sentem, em poder dançar sem medo de ser criticado ou de ter sua masculinidade colocada a prova.
Viva a Disney por esses dois filmes incríveis que entendem que a infância precisa ser um lugar diverso, amplo e livre de preconceito, porque nossas filhas e filhos só serão seres humanos completos, seguros e felizes, se puderem descobrir o mundo sem o olhar preconceituoso e sexualizado dos adultos que não são capazes de olhar com naturalidade para a dança e o amor entre amigos.