14 de abril de 2011
Escrever sobre atos de violência é sempre algo doloroso e ao mesmo tempo entristecedor, especialmente quando não conseguimos ao certo saber as razões que movem as pessoas ou a pessoa a cometer tal ação. Não vou me atormentar em querer entender o que um desequilibrado pretende ao matar friamente alunos dentro de uma sala de aula, apenas queria notar que entendo ser este fato, uma exceção na vida brasileira.Gostaria de me ater às imagens, todas elas sem som, para alívio de nós observadores distantes, pois, se ver as crianças e os adolescentes correndo desesperados já é angustiante, ouvir se tornaria insuportável a uma pessoa normal. As imagens que se tornaram públicas são todas perturbadoras, mas de todas as imagens, a que mais me chamou a atenção, e provocou a escrita deste artigo, foi a de um garoto, caído no chão, sangrando com várias perfurações de bala pelo corpo, se contorcendo em dor e, com certeza, pedindo ajuda.Um garoto jazia no chão, e as pessoas correm de um lado para o outro, policiais, facilmente identificáveis, e adultos, homens e mulheres, que suponho sejam pais de alunos e mesmo funcionários da escola, todos meio atônitos, numa correria de um lado para outro. Creio que a maioria dos civis naquele momento buscava encontrar alguém, filhos, netos, sobrinhos, amigos, e o garoto jazia ali, sangrava, e se contorcia.Por mais incrível que pareça, o menino continuou no chão sem que ninguém, sem que qualquer pessoa parasse para oferecer conforto a ele, todos contornavam a dor, o sangue e o ser humano ali, como um simples obstáculo a ser transposto, a ser superado em meio ao caos estabelecido. Como observador distante, fiquei me perguntando qual a razão da indiferença, por que ninguém sequer se abaixou para falar com o garoto?Se não encontro resposta para um louco ensandecido, me questiono e tento responder o porquê da indiferença com a dor do outro, e em verdade a única explicação que me chega é o quão banal é contemplar um ser humano sofrendo. Não que sejamos cínicos, que aquelas pessoas atarantadas de um lado para outro o fossem, mas é preocupante a indiferença coletiva. Em um livro clássico do início do século passado, “Nada de Novo no Front”, Erich Maria Remarque narra a vida nas trincheiras durante a Primeira Grande Guerra, e revela que homens, quando postos em uma situação limite, se transformam em algo próximo do semi humano, do quase humano, sem, contudo haver neles qualquer estado de desumanidade consentida ou desejada. Eram apenas homens que sofriam todos os dias a dor intensa de contemplar mortos, o risco constante. Quão indiferente é preciso ser para suportar a dor e a morte, com um esforço sobre-humano no início, se torna no passar do tempo um ato banal, recolher corpos em dor e mutilados, recolher cadáveres, pular sobre eles em campos de batalhas, usar estes corpos inertes e sem vida como escudos e barricadas, tudo se torna parte de uma rotina macabra em nome da sobrevivência e cada um luta apenas para sobreviver, para chegar vivo amanhã.Remarque põe a mostra o pior do humano, seu pouco caso com a vida, seu desejo de auto preservação quando exacerbado se revela pura omissão com o outro, as dores e a morte do outro se fazem banais, assim como comer, beber, dormir, acordar e lutar. Pareceu-me, e só me pareceu que todas aquelas pessoas, policiais e cidadãos olhavam, mas não viam o garoto sofrendo a sua frente, era mais um, invisível o corpo jazia diante de todos, e ali ficou até que os paramédicos chegassem. Esta não é uma crítica ao desespero e a consternação de todas aquelas pessoas que pulavam por cima daquele corpo inerte e em sofrimento, é apenas a percepção do observador de uma cena típica de uma sociedade violenta na qual a vida humana é um detalhe, onde no elenco de prioridades de cada cidadão, o outro é apenas uma citação aleatória, quase estatística, ou midiática. Desconfio ser a violência um fato tão entranhado em nós que mesmo nos momentos mais terríveis, não sabemos restabelecer uma relação solidária com o outro, apenas nos esquivamos da sua dor e corremos para matar as saudades da vida que nunca mais teremos.
*Dante Donatelli é professor de filosofia e Diretor Executivo do Colégio Salesiano de Campos dos Goytacazes, no Estado do Rio de Janeiro. Participou como especialista convidado do Papo de Mãe sobre Violência nas Escolas, exibido em 10.04.2011.
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