Roberta Manreza Publicado em 30/03/2016, às 00h00 - Atualizado às 10h53
Sônia Maria M. Palma, psiquiatra – ABRATA
Numerosos trabalhos recentemente publicados têm mudado a afirmativa de que o Transtorno Bipolar com início na infância e adolescência (TB-IA) seria extremamente raro ou mesmo uma condição clínica inexistente. Isso se explica pela dificuldade em se identificarem os sintomas nessa faixa etária e por sua superposição com outros quadros mais bem estudados na população pediátrica.
Já o TB de início na adolescência, especialmente após a puberdade, é cada vez mais aceito no meio psiquiátrico, e há um número crescente de relatos de pacientes adultos com início precoce dos sintomas. Cerca de 20% dos pacientes adultos com transtorno bipolar têm sintomas iniciais antes dos 20 anos de vida.
O TB-IA acarreta graves problemas no funcionamento global das crianças e de seus familiares. As crianças cursam com dificuldades acadêmicas e nas relações interpessoais, e apresentam maior risco para abuso de substâncias, além de problemas legais, maior frequência de comportamento suicida, e também maior número de hospitalizações. Em consequência, pode-se afirmar que cerca de 60% das crianças e adolescentes com TB são mal diagnosticados.
Há poucos estudos epidemiológicos determinando a prevalência de TB em crianças e adolescentes. Em estudo retrospectivo realizado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul foi encontrada prevalência de 7,2% de TB em uma amostra de 500 pacientes com idade inferior a 15 anos. O pico de início do TB na adolescência se encontra na faixa de 15 a 19 anos de idade, com igual prevalência entre meninos e meninas. Existe alta frequência de história familiar para o transtorno de humor, e filhos de pacientes bipolares apresentam 2,7 vezes mais chances de desenvolver transtorno mental e quatro vezes mais chances de apresentar um transtorno de humor do que filhos de pais sem transtorno mental.
O TB-IA provavelmente é sub diagnosticado ou diagnosticado de forma errada devido à falta de critérios próprios para crianças pequenas. Outro aspecto importante a ser considerado é a falta de treino para o reconhecimento desses problemas pelos profissionais da atenção básica. Leva-se, em média, cinco anos entre o início do quadro e o diagnóstico, podendo chegar a doze anos em alguns casos, provocando atrasos e erros nos diagnósticos entre pacientes com TB pediátrico que recebem tratamento em serviços comunitários de saúde mental. Assim, o diagnóstico errado expõe a criança ao uso inadequado de psicoestimulantes e antidepressivos, e o diagnóstico tardio pode torná-la resistente ao tratamento.
Crianças e jovens apresentam quadro clínico diferente dos adultos, muitas vezes surgindo como a primeira manifestação do transtorno um episódio de depressão em crianças sem nenhum transtorno prévio. Estudos mostraram que aproximadamente metade das crianças com TB apresentou quadros de depressão antes do primeiro episódio de hipomania. Deve-se pensar na hipótese de TB quando há um quadro depressivo súbito, com características psicóticas, retardo psicomotor e história de transtorno de humor na família (especialmente transtorno do humor bipolar e história de mania após uso de medicação antidepressiva).
A crise de hipomania pode se apresentar de formas variadas, desde humor exaltado e euforia, com aumento de irritabilidade e humor instável, exclusivamente ou de forma associada com episódio de auto e heteroagressividade. Queixam-se de pensamentos abundantes na cabeça, mostram diminuição de objetividade ou têm fugas de ideias, podendo apresentar pensamentos fantasiosos e de grandeza, como o de possuir poderes mágicos. Os comportamentos bizarros e extravagantes, assim como a hipersexualização são muito mais evidentes na adolescência. A irritabilidade e a labilidade emocional ocorrem mais frequentemente em crianças com menos de nove anos, enquanto que euforia, exaltação, paranoia e delírios de grandeza são relatados com maior frequência em crianças maiores. Apresentam, também, diminuição significativa da necessidade do sono.
Na fase depressiva de início muito precoce (menos de 13 anos), apresentam as seguintes características: retardo psicomotor alternando com agitação; sintomas psicóticos; reações de hipomania após uso de antidepressivo; hipersonia e hiperfagia. Essas características também são consideradas sinais de risco para posterior aparecimento de episódio de hipomania em crianças deprimidas. Assim como em adultos, a ocorrência de tentativas de suicídio também é maior em TB-IA5.
As características do TB de início prépuberal são irritabilidade, ciclagem rápida, baixa recuperação entre os episódios, altas taxas de comorbidades com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e com Transtorno Opositor Desafiante (TOD). O quadro com início na adolescência apresenta altas taxas de abuso de substância, sintomas de ansiedade e psicose Características comuns nas duas apresentações são humor exaltado, episódios mistos, longa duração dos episódios e baixa recuperação e altas taxas de recaídas.
O tratamento farmacológico deverá ser iniciado após cuidadosa avaliação clínica e laboratorial, sendo monitoradas as funções hematológica, hepática, tireoidiana, renal, metabólica, e eletrocardiográfica. Utilizam-se os mesmos medicamentos prescritos para o adulto. Deve-se lembrar, também, que é desaconselhável o uso isolado de antidepressivo em crianças com histórico familiar de transtorno afetivo ou na presença de qualquer dos fatores de risco citados anteriormente; aconselha-se associá-lo a um EH5.
Uma estratégia importante é a abordagem psicoeducacional focando a melhora da comunicação e gerando estratégias de resolução de problemas sociais, levando a maior conhecimento dos pais sobre os problemas dos filhos e melhorando a interação e o apoio familiar. Recomenda-se, também, entrar em contato com associações locais dedicadas a oferecer apoio e informação sobre TB e, assim, aprender tudo o que puder sobre a enfermidade bipolar. Essas informações podem ajudar o reconhecimento precoce dos sintomas iniciais, levando ao melhor manejo das recaídas e rápida intervenção terapêutica. Os pais e/ou cuidadores devem lembrar que nem todas as medicações funcionam em todas as crianças, sendo necessárias várias semanas de tratamento para ajuste dos medicamentos e das posologias, até encontrarem o melhor esquema terapêutico.
Conjuntamente com o seguimento farmacológico, crianças e adolescentes com TB devem ser acompanhados em psicoterapia, preferencialmente do tipo cognitivo comportamental. Embora sejam raros, os pacientes podem se beneficiar de grupos de apoio.
A criança com TB necessita de um programa de inclusão escolar, principalmente durante o período de crises. O próprio transtorno e a medicação utilizada podem afetar o desempenho escolar devido à sonolência, à diminuição da atenção, da concentração e da memória. Os pais e os profissionais da escola devem se unir para avaliar as necessidades educacionais dessas crianças, planejando uma abordagem educacional que atenda suas necessidades escolares. Esse planejamento deve incluir adaptações para épocas em que a criança esteja no período intercrises e nos casos de intensificação do seu quadro clínico.
Referência Bibliográfica:
1. Mohr, W. Bipolar disorder in children. J Psychosoc Nursing 2001; 39(3):12-23.
2. Akiskal HS. Developmental pathways to bipolarity: are juvenile-onset depressions prebipolar? J Am Acad Child Adolesc Psychiatr 1995; 34(6):754-63.
3. Tramontina S, Schmitz M, Polanczyk G. Juvenile bipolar disorder in Brazil: clinical and treatment findings. Biol Psychiatr 2003; 53(11):1043-9, 2003.
4. Lapalme M, Hodgins S, La Roche C. Children of parents with bipolar disorders: a meta-analysis of risk for mental disorderes Can J Psychiatr 1997; 42:623-31.
5. Finling RL, Gracius BL, McNamara NK, Youngstrom EA, Demeter CA, Branicky LA et al. Rapid, continuous cycling and psychiatric co-morbidity in pediatric bipolar I disorder. Bipolar Disord 2001; 3:202-10.
6. Fu-I L. Transtornos afetivos. Rev Bras Psiquiatr 2000; 22(supl 2):SII24-7.
7. Fu-I L. Transtorno afetivo bipolar na infância e na adolescência. Rev Bras Psiquiatr2004; 26(supl III):22-6.
8. Carlson GA. Child and adolescent mania: diagnostic considerations. J Child Psychol Psychiatr 1990; 31(3):331-41.
9.Faedda GL, Baldessarini RJ, Suppes T, Tondo L, Becker I, Lipschitz DS. Pediatric onset bipolar disorder: a neglected clinical and public health problem. Harv Rev Psychiatr 1995; 3(4):171-95
10. Moreno RA. Moreno DH. Da psicose maníaco-depressiva ao espectro bipolar. São Paulo: Segmento Farma, 2005.
–
Leia também:
Papo de Mãe recomenda: