22 de fevereiro de 2012
Por Ana Paula Gonzaga*Fonte:
www.redeceppan.com.brO que levaria uma jovem púbere ou adolescente iniciar uma dieta drástica e sustentá-la por um tempo que muitas vezes se torna alguns anos? O que a faria
chegar a ponto de deixar de comer?Não são questões simples de responder, mas temos nos dedicado há quase uma década a tentar entender o que dispara e o que sustenta o padrão de comportamento próprio aos transtornos alimentares.Sabemos que há uma etiologia multifatorial – constitucional, familiar, social, própria à personalidade – e muitas pesquisas vêm apontando e descrevendo esses fatores. Temos nos ocupado de um aspecto da subjetividade que nos chama a atenção: os ideais aos quais esses pacientes se impõem.Ao trabalharmos com pacientes com transtornos alimentares, nos surpreendemos, em especial com os que apresentam Anorexia Nervosa, com sua determinação e obstinação em alcançar um peso dito ideal. E que peso é esse? É sempre menos do que se pesa, não importa quanto se pesa. Ou pior: deve ser menos do que o menor peso que essa a paciente descobriu que alguma modelo, ou anoréxica noticiada pese.Nesse momento em que vivemos a comoção pelas mortes de duas garotas, ou jovens adultas (21 anos), por complicações causadas por Anorexia Nervosa, também vemos em contra partida alguns depoimentos feitos por garotas com Anorexia que nos chocam. Comentários do tipo: “elas venceram!”, “elas chegaram lá, morreram, mas com a dignidade de serem magras!”. Ou como numa entrevista dada a um jornal por uma garota que sofreu de Anorexia: “Por mim, tudo bem se morresse, desde que parecesse a Barbie no caixão”.E essa é uma realidade que vivemos no tratamento dessas pacientes. Não raro ouvimos delas, com muito sofrimento, o quanto ainda precisam perder para serem felizes. A paciente que nos diz que passa horas na internet procurando a modelo com menor IMC (índice de massa corporal), por que ela quer pesar ainda menos, não se dá conta do risco que corre. A outra que nos traz os jornais da semana e diz: “veja se aqui alguém tem cara de doente? Elas estão todas magras, lindas e felizes!” E se olharmos com atenção, de fato os jornais usaram fotos que não combinam com o teor das matérias. Também não estamos propondo que se use as fotos cadavéricas; até porque com pacientes anoréxicas não temos muita saída: as cadavéricas são o ideal.Um ideal passional e impossível, associado nesse momento à estética, ou a algo que se defende como estética. Na realidade, o que parece que está sendo encenado é alcançar o impossível, o absurdo.Da mesma maneira que elas devem ser as melhores alunas, estarem sempre à frente do que está sendo ministrado por seus professores, serem as melhores atletas, etc, criam uma deformação que é serem as “melhores magras”. Sempre mais!O que elas ganham com isso? Uma restituição narcísica. Aquela que todos nós procuramos, porque sempre nos falta algo. Mas aqui, parece que a falta se transforma em uma paixão, que pode conduzi-las para algo mortífero e mortal. A ‘Barbie’ num caixão é um fato.Alertar a mídia para o valor que essas imagens têm para quem sofre de Anorexia Nervosa é um dever dos profissionais envolvidos com o tratamento dos Transtornos Alimentares, assim como divulgar peso, altura, IMC. Precisamos encontrar uma maneira de nos dirigirmos aos pais, educadores, profissionais de saúde e estética para alertá-los dos riscos decorrentes de uma inocente dieta; mas precisamos parar de falar com a doença. Parar de promover a propaganda anoréxica, pois infelizmente o que elas lêem no jornal é algo do gênero: “alguém já pesa X quilos, e você?! Corra atrás do seu Ideal, seja melhor!”
Ana Paula Gonzaga é psicanalista, membro efetivo do Departamento Formação em Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, Coordenadora da equipe de Psicologia, Psicoterapeuta individual e grupal do Programa Interdisciplinar de Atendimento, Ensino e Pesquisa dos Transtornos Alimentares na Infância e Adolescência (PROTAD) do HC-FMUSP e da Clínica de Estudos e Pesquisas em Psicanálise da Anorexia e Bulimia (CEPPAN).