Nada pode ser tão desumano, quanto uma tortura sequencial, que envolve a mãe e consequentemente a seus filhos, no próprio lugar, onde deveriam encontrar amor, descanso e proteção
Kênia Braga* Publicado em 09/01/2021, às 00h00
Enquanto para muitas mulheres o lar é um refúgio, um lugar acolhedor, protetivo e confortável, para algumas, se trata de um ambiente ansiogênico, que deflagra perigo e terror contínuos, onde a doença mental encontra um terreno fértil. Em meio a um emaranhado de emoções negativas, profundamente dolorosas e incapacitantes, a vítima vai sucumbindo e nada pode ser tão desumano, quanto uma tortura sequencial, que envolve a mãe e consequentemente a seus filhos, no próprio lugar, onde deveriam encontrar amor, descanso e proteção.
A violência doméstica e familiar é a principal causa de feminicídio no mundo, mas apesar de ser um tema constantemente evidenciado nos jornais e mídias, muitas mulheres que sofrem abusos não conseguem identificar e sair da situação. A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006), define cinco formas de violência doméstica e familiar. São elas: violência física; violência psicológica; violência patrimonial; violência sexual e violência moral. Neste momento de isolamento social, os riscos de agressão ficaram muito maiores, pois durante a pandemia do novo coronavírus, muitas mulheres, muitas mães e seus filhos, passaram a conviver 24 horas em casa, com seus agressores, elevando a preocupação com a violência doméstica e familiar contra a mulher.
O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), compilou e divulgou informações e temas esclarecedores/educativos, com o objetivo de auxiliar as denúncias dos casos. É fundamental que a sociedade, amigos e familiares das vítimas, compreendam que possuem um papel importante, em delatar o agressor, pois muitas das vezes, a vítima não consegue fazê-lo, seja por medo, ou por outros mecanismos inconscientes, como por exemplo, o receio de o agressor ser preso. Na verdade, as mães são as principais vítimas de violência doméstica no Brasil. A Secretaria de Políticas para Mulheres da Presidência da República (SPM) registrou 52.975 denuncias de violência contra mulheres no Brasil, somente em 2014, e de todas as denúncias registradas, 80% das mulheres vítimas eram mães.
Mesmo com dados tão alarmantes e consequências severamente dramáticas, muitas destas mães possuem dificuldades de romperem a relação abusiva. Neste contexto, as reflexões sobre a permanência das mulheres em relações de violência ainda requerem maior detalhamento sobre sua complexidade. A denominação violência doméstica, permite maiores possibilidades de interpretação das crenças de sacralidade sobre a instituição família, e aponta um olhar realístico, sobre a natureza do fenômeno. De forma psicoeducativa, é importante destacarmos como funciona o ciclo da violência contra a mulher, de que maneira a agressão se manifesta na maioria das relações abusivas. Na verdade, ela é caracterizada por três etapas: a fase da tensão (momentos de raiva, insultos e ameaças, deixando o relacionamento instável), a fase da agressão (quando o agressor se descontrola e explode violentamente) e a fase da lua de mel (em que o agressor pede perdão e tenta mostrar arrependimento).
Esse ciclo se repete, diminuindo o tempo entre as agressões e se torna sempre mais violento. Logo, essa mulher terá sua capacidade mental comprometida, estará esgotada e apresentará problemas psicológicos que poderão levar a quadros psiquiátricos e prejuízos severos na sua saúde global, no trabalho, na autoestima, no autocuidado, nos cuidados com os filhos. Em alguns casos, o flerte com a morte ou mesmo o óbito, são o desfecho trágico e dramático da vida de uma mãe que não encontrou ajuda social ou familiar, para enfrentar este contexto; em que muitas das vezes, ela foi julgada, negligenciada, como se fosse fácil deixar o agressor e recomeçar a sua vida, como se tivesse saúde psicológica para elaborar o curso violador e o sequestro emocional, vivenciados.
Alguns dos motivos que tornam mais difícil a quebra de vínculo com o abusador: medo do agressor, dependência financeira ou codependência emocional, crenças religiosas de que é preciso manter o casamento a qualquer custo, vulnerabilidade psicológica incapacitantes, quadros de depressão ou pânico que sucumbem as iniciativas e a autonomia emocional, dificuldade de romper um relacionamento de anos com quem se teve laços afetivos fortes, sentimentos de desvalia; dentre outras crenças disfuncionais condicionadas pela sociedade.
Algumas crenças mais comuns: todo casamento é difícil; homem é imaturo e explosivo; em algumas fases ele me ama e devo considerar isso; certamente isto irá mudar com o tempo e ele irá amadurecer; só preciso fazer o que ele me pede; se eu o deixar ele pode me matar; não tenho mais idade e nem força para recomeçar minha vida; ficar sozinha para sempre pode ser pior; ele está certo, não faço nada direito e por isso fica tão bravo; meus filhos não podem ficar sem o convívio com o pai e o padrão de vida que possuem; entre outros pensamentos e crenças disfuncionais e irreais. E em muitos casos quando a mulher finalmente encontra condições para deixar o abusador, o terror não acaba, inclusive é um momento muito perigoso para as mulheres.
Falando ainda deste modelo mental do agressor, em muitos casos ele utiliza o filho como barganha e manipulação para afetar a mãe, alguns nunca exerceram a paternidade antes de serem afastados da família pela medida protetiva. Segundo um estudo, uma das maiores estratégias dos agressores é destruir a autoestima da mulher, levando a ela se questionar sobre suas capacidades, insultar ou invalidar uma mulher na frente de seus filhos, retira a autoridade que ela precisa ter para ser uma mãe confiante e destrói a sua autoestima.
As vítimas, muitas vezes se sentem paralisadas pelo medo por serem tratadas como objetos inanimados, e apresentam comportamentos e reações de defesa. O modelo vitimista, na qual a vítima figura como passiva, além de não dar conta da realidade histórica, revela um pensamento absolutamente autoritário.As mulheres/mães, continuam a ser culpabilizadas exclusivamente por não protegerem seus filhos do agressor, além das falsas culpas a sociedade e familiares as classificam de negligentes e cúmplices. Considerando o a teor desta perspectiva desumana e catastrófica, conscientizar a sociedade sobre este fenômeno é de extrema relevância, a violência doméstica é um temaque precisa ser fortemente evidenciado, e de responsabilidades de todos.
*Kênia Braga é empresária e psicóloga pós-graduada em psicologia cognitivo compor
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