A pedagoga Ana Paula Yazbek fala sobre a difícil rotina de mãe de filhos pequenos, com noites mal dormidas e refeições inacabadas. Mas são momentos que deixam saudades e viram gostosas lembranças e histórias para contar
Ana Paula Yazbek* Publicado em 26/05/2021, às 08h43
Quando meus filhos eram pequenos, meu maior desejo era ter uma noite de sono sem interrupção. Minha primeira filha, Marina, demandava muito nas madrugadas, chorava e mamava a noite toda. Voltando no tempo, consigo ver que muito do que ocorria era por inabilidade e ansiedade da minha parte, pois eu ouvia seu choro sempre como uma necessidade de mamar, com isso ela não tinha outra opção além de depender de meu seio para voltar a dormir. Lembro que no meio da madrugada, meu desejo era que amanhecesse logo, pensava assim “já que não vou poder dormir, prefiro que o dia comece!”. Quando Pedro nasceu, dois anos e sete meses depois, consegui ser menos ansiosa, delegava algumas madrugadas ao meu marido e ficava menos angustiada com o choro. Mesmo assim, a balada era intensa, com pelo menos dois choros durante a noite.
Ao amanhecer, quando meu marido saia para trabalhar, eu pedia para ele ser o mais silencioso possível, pois conseguia dormir pelo menos uma meia hora a mais e era a soneca mais deliciosa de toda noite.
Quando Pedro tinha quase dois anos, ele passou a dormir toda a noite e esta parte da vida materna tornou-se muito mais tranquila. Entretanto, eu perdi o direito à meia hora de soneca da manhã, pois era só o pai sair de casa que Pedro abria a porta de seu quarto, se embrenhava na minha cama e ia se aconchegando ao meu lado. Com seu jeitinho fofo pedia “um passinho no pavesseiro” (espacinho no travesseiro), ficava fazendo carinho em meu rosto e cantava para me “fazer dormir”. Ao terminar a canção sempre perguntava se eu estava dormindo e quando a resposta era positiva, ele também dizia que estava dormindo mais um pouquinho. Na terceira vez que ele perguntava, eu desistia da soneca e dizia que tinha acordado. Então, ele prontamente se levantava e dizia “eu também acordei, vamos tomar café da mamãe?”.
Íamos para a cozinha e enquanto eu preparava seu leite, o da Marina e o meu, ele ficava sentado num banquinho brincando com as colheres. Seu mundo imaginário sempre foi intenso, tudo ganhava vida em suas mãos, era uma delícia observar.
Quando os leites estavam prontos eu me sentava e começava a preparar a fruta e o pãozinho. Sempre perguntava se queria que colocasse requeijão ou geleia, e ao invés de ajudá-lo com a possibilidade de escolha, acabava criando um problema. Pedro nunca conseguia decidir e quando escolhia um, era só receber o pão que logo ficava bravo por não ter também o outro. Demorei muito para entender que devia entregar metade do pão com geleia e outra metade com requeijão.
Mas, assim que tudo estava pronto e eu ia dar o primeiro gole no café, ele começava a se balançar na cadeira e eu já sabia que em seguida ele iria fazer o cocô e precisaria ser trocado. Eu tentava convencê-lo a esperar um pouco para eu terminar o café, mas poucas vezes dava para esperar.
Ao voltarmos, meu café já estava frio e era vez de dar assistência para Marina. Os dois pareciam reger uma orquestra na qual eu era o instrumento base, que não podia ficar nenhum trecho sem tocar. Os pedaços de frutas, goles de café e mordiscadas de pão, desciam de forma tortuosa em minha garganta, entre um passa aquilo, pega lá, faz mais isso, me dá um pedacinho do seu...
Em seguida, vinha a saga de vestir os dois, fazer a lancheira para levá-los para escola e eu ir trabalhar. Eu sempre torcia para que no hall do elevador a Marina não lembrasse de que queria levar um brinquedo para escola e o Pedro não fizesse o segundo cocô do dia. Lembro da sensação de vitória quando pegávamos o elevador da primeira vez que ele chegava em nosso andar.
Confesso que na época, eu não via a hora deles serem mais autônomos, mas já faz um tempo que sinto saudade deste tempo, na verdade tenho saudade de ouvir a vozinha e sentir o cheirinho deles. Já não temos mais o senta e levanta do “café da mamãe”, mas ainda sinto que é uma vitória quando entramos no elevador da primeira vez que ele para no nosso hall.
*Ana Paula Yazbek é pedagoga formada pela Faculdade de Educação da USP, com especialização em Educação de Crianças de zero a três anos pelo Instituto Singularidades; iniciou mestrado na FEUSP em 2018 e está pesquisando sobre o papel da educadora de bebês e crianças bem pequenas.
É sócia-diretora do espaço ekoa, escola que atende crianças de toda Educação Infantil (dos 0 aos 5 anos e onze meses). Além de acompanhar o trabalho das educadoras, atua em cursos de formação de professores desde 1995 e desde 2002 está voltada exclusivamente aos estudos desta faixa etária.
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