A médica Tanit Ganz Sanchez fala sobre a importância de ouvirmos nosso corpo: “Eu sou seu corpo e falo o idioma arcaico da existência”
Tanit Ganz Sanchez* Publicado em 07/02/2022, às 06h00
Como dizem por aí, “de médico e louco todo mundo tem um pouco”. Diploma de médica eu já tenho há muitos anos; agora estreio na maluquice. Você já se imaginou sendo convocada para ouvir um desabafo do seu corpo? Eu já. Foi logo depois que li uma matéria inspiradora*.
Literalmente me vi viajando sem sair da cadeira. A viagem durou um instante, mas voltei tão intrigada que me inspirei para expor esse desabafo. E nem se trata de fofoca ou de algo antiético, viu? Meu corpo não vê sentido em guardar segredo; ele já sabe de antemão que uma multidão de corpos pensa como ele.
Vamos lá. Sentamos frente a frente: eu, apreensiva com o ineditismo e ele com cara de assunto sério, mas mantendo um olhar carinhoso.
"Eu sou seu corpo e falo o idioma arcaico da existência. Não sei mentir porque não é útil para a nossa sobrevivência. Sempre quis te manter em equilíbrio e cada parte de mim sempre se adaptou aos poucos para conseguir isso. Antigamente, era mais simples e você confiava em mim: se afastava daquilo que eu avisava que poderia te fazer mal. Perceba: a cada segundo, eu capto todas as informações do mundo pelos canais dos ouvidos, olhos, nariz, boca e pele, que trabalham até enquanto você dorme. São essas informações que o cérebro usa para formar a sua IMAGEM VIRTUAL individual do mundo.
E é com ela que você interpreta a vida e ajusta os órgãos para se adaptarem a cada situação. Exige muito esforço, mas sempre deu certo. O problema é que hoje muitas coisas podem te fazer mal e o nosso mecanismo de captar e perceber, que nasceu perfeito, já não lida bem com o bombardeio de informações entrando por todos os canais. Estamos mais perdidos porque você não se relaciona diretamente com o mundo, mas com essa imagem virtual que faz do mundo, que você reconstrói com sua memória. Eu, corpo, só sinto e respondo.
Sinto como real tudo o que você mantém como imagem virtual na sua mente. Respondo a tudo o que você sente o tempo todo. Quando você insiste em sentir que não é uma boa mãe, que a maternidade dá muito trabalho, que não consegue educar seus filhos como gostaria, que não se sente forte nem valorizada como mãe, esposa ou profissional, eu te mostro essa angústia desde logo: palpitação no coração, peso nas costas, baixa concentração e sono ruim.
Eu falo o tempo todo com você sobre você. Eu sinto muito quando isso não te agrada, mas não sei esconder. Eu quero viver! Tenho um impulso inato para a vida e minha essência é agir sempre a seu favor. Eu trago no DNA a chave da vida, mas você prefere deixar as portas fechadas. Eu trago no peito o pulsar da vida, mas você nem sempre vê sentido nela. (O corpo)
Eu quero viver e, diferente de outros níveis que te compõem, sou a única parte de você que pode deixar de existir. Eu quero viver, por isso te mando sinais de alerta. Mas parece que meu idioma da existência é arcaico para você. Por isso, te convido novamente para compreendê-lo. Seria perfeito se lembrar do tempo em que já trabalhamos em harmonia!
Suas memórias são como os comandos vitais que ativam cada órgão para o melhor dele em cada situação. Vamos? É você que está sentada na sala de controle."
Ouvi esse desabafo carregado de choque de realidade. A compaixão gritou na hora, atitude típica de “mãezona”. Brotou uma vontade de colocar no colo, abraçar demoradamente, afagar os cabelos e redirecionar esse relacionamento com meu corpo... um desejo de cura profunda.
Foi minha vez de respirar fundo e dizer:
- Sinto muito por todas as vezes que aceitei sofrer e me manter nesse estado sem ouvir seus sinais; Me Perdoe por eu ter me apegado tanto ao passado e menos ao presente; Eu Te Amo, te aceito e te prometo me libertar dos padrões mentais que me aprisionam; Sou Grata pela conscientização que você me deu e pela oportunidade de escolher uma vida melhor e mais leve para nós.
Pois é... em qualquer idioma, de médico e louco todo mundo tem um pouco.
*Dando-lhe Voz ao Corpo, Simona Cella, revista 5 Leis Biológicas
*Profa Dra Tanit Ganz Sanchez é Médica Otorrinolaringologista formada pela Universidade de São Paulo; Profa. Livre Docente e Associada da Otorrinolaringologia da Universidade de São Paulo; Pesquisadora do ouvido há mais de 25 anos, reconhecida internacionalmente; Ex-orientadora de pós-graduação em Otorrinolaringologia e em Fonoaudiologia da Universidade de São Paulo; Fundadora e Diretora do Instituto Ganz Sanchez que há mais de 10 anos que é direcionado exclusivamente ao estudo e atendimento de pessoas com Zumbido, Misofonia e Hiperacusia; Criadora e coordenadora do G.A.N.Z. (Grupo de Apoio Nacional a pessoas com Zumbido), do Novembro Laranja (Campanha Nacional de Alerta ao Zumbido, Misofonia e Hiperacusia) e da TV Zumbido; Membro do Corpo Editorial das revistas científicas: Clinics, International Archives of Otorhinolaryngology e Brazilian Journal of Otorhinolaryngology; Divulgadora do comportamento humano e seus desdobramentos em Saúde. Saiba mais no site
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