Guarda compartilhada e cidades diferentes: é possível?

Na guarda compartilhada como fica quando pai e mãe não moram na mesma cidade? O advogado Anderson Albuquerque explica

Anderson Albuquerque* Publicado em 23/06/2021, às 08h00

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Até 2008, ano em que foi criada a Lei nº 11.698/08, a guarda dos filhos era atribuída à mãe, ou seja, era unilateral, e refletia uma herança histórica do nosso sistema patriarcal, onde a responsabilidade de cuidar dos filhos era somente da mulher.

Mesmo em 2002, com a entrada do novo Código Civil em vigor, a guarda compartilhada ainda não era uma lei. Ela passou a fazer parte do nosso ordenamento jurídico somente seis anos depois:

Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada.

§ 1o Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5o) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns. (...)”

§ 2o A guarda unilateral será atribuída ao genitor que revele melhores condições para exercê-la e, objetivamente, mais aptidão para propiciar aos filhos os seguintes fatores:

I – afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar;

II – saúde e segurança;

III – educação.

§ 3o A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos. (...)"

Mas foi somente em 2014, com a implementação da Lei 13.058/2014, que alterou os artigos 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 da Lei 10.406, para estabelecer o significado da expressão "guarda compartilhada" e dispor sobre sua aplicação, que esse modelo de guarda passou a ser a regra, dando fim ao monopólio da guarda unilateral pela mãe.

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Na guarda compartilhada, as obrigações parentais, ou seja, os direitos e deveres em relação aos filhos, são divididos. Ambos os genitores tem a guarda, mas em relação à moradia, o Código Civil de 2002, em seu artigo 1.583, parágrafo 3º, estabelece que "na guarda compartilhada, a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos".

Mas o que acontece quando os pais residem em cidades diferentes, ou até mesmo estados ou países diferentes?

Em 2016, a Terceira Turma do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) decidiu ser inviável a implementação da guarda compartilhada nos casos de pais que moram em cidades diferentes, alegando que a dificuldade geográfica impede que o princípio do melhor interesse da criança seja cumprido.

Essa não é, no entanto, uma posição majoritária do STJ, uma vez que vários doutrinadores entendem que a guarda compartilhada não está condicionada à moradia dos filhos, e sim à divisão de responsabilidades entre os genitores.

Deste modo, a maioria da doutrina e da jurisprudência entende que não há a obrigatoriedade de os filhos conviverem presencialmente com o pai e com a mãe. Portanto, um deles pode ter a residência fixa dos filhos, mas o outro continuará dividindo em conjunto questões relativas à saúde, educação e lazer.

É, assim, perfeitamente possível que genitores que morem em cidades diferentes tenham a guarda compartilhada do filho. As tecnologias que temos hoje a nosso dispor permitem que as visitas que seriam presenciais sejam virtuais.

Essas visitas podem ser agendadas em dias específicos, de forma a criar uma rotina e um contato frequente, e podem ser realizadas através de aplicativos como WhatsApp, Skype, Facetime, Instagram, dentre outros. Ainda não há uma regulamentação sobre esta modalidade de visita, mas os tribunais têm sido favoráveis, uma vez que ela reforça o vínculo afetivo entre pais e filhos.

Conclui-se, de tal modo, que a distância geográfica não pode ser impedimento para que um genitor exerça seu poder familiar, mesmo morando em cidades, estados ou países diferentes. O estatuto da guarda compartilhada visa ao bem-estar e pleno desenvolvimento do menor, e caberá ao juiz analisar caso a caso e decidir pelo melhor interesse da criança.

O advogado Anderson Albuquerque

*Anderson Albuquerque, advogado de família, sócio do Albuquerque & Alvarenga Advogados

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