Para Niver Bossle Acosta, advogada de direito de família, os advogados que não se aperfeiçoarem vão perder para o Google. Ela explica a mediação de conflitos e sua importância, principalmente em casos de divórcios
Niver Bossle Acosta* Publicado em 13/04/2021, às 00h00
O direito é muito mais que a aplicação da “letra fria da lei” ou simples aplicação das normas inflexíveis que regem a sociedade. O direito tem outras dimensões e conexões com outras áreas, o que permite inovação e enseja novas interpretações.
Depois de trabalhar muito tempo com o litígio, me senti desconfortável com o desfecho daquelas ações e com a demora na tramitação dos processos. Não me conformava com a inércia, com o “empurrando com a barriga”, especialmente quando as demandas eram representadas por escritórios que atuavam em ações de massa, ou processos repetitivos e acabei me direcionando para o direito de família, sempre na tentativa de evitar o litígio.
Desde então, aprimorei o conhecimento nas questões emocionais que permeiam os conflitos e me especializei em negociações usando técnicas de várias áreas de atuação, como as da mediação, da conciliação e da própria psicologia. Aprendi a identificar o que está em jogo e o que é inegociável. Abri mão de litigar, por pura convicção, levantando a bandeira do consenso, e planejei uma forma diferenciada de cobrar os honorários para a atuação, deixando o cliente mais seguro e confortável, e melhor de tudo, consciente da necessidade de estar cooperando para o bom e célere desfecho da negociação.
O que chancelou minha forma de atuação? Sem dúvidas, foi uma experiência que tive com o programa de negociações de Harvard. Programa multidisciplinar mundialmente reconhecido, que aperfeiçoou minha capacidade em negociar e assegurou formas bem mais inteligentes de resolver problemas complexos, especialmente quando ligados a questões emocionais ou a valores substanciosos. Trata-se de um trabalho de excelência, discreto, rápido, com maior envolvimento com as pessoas, focado na solução e minimizando traumas.
Não é preciso ir a Harvard para ser um bom negociador, mas é fundamental que este profissional que pretende se dedicar às negociações no direito de família tenha empatia e aperfeiçoe habilidades com estudo, jamais limitado aos livros de direito apenas. Não basta ter só afinidade ou só conhecimento técnico.
Este trabalho voltado à conciliação é infinitamente diferente do que víamos nas audiências de tentativa de conciliação na justiça (ao menos na minha época). É um trabalho que depende de envolvimento, intuição, estudo, de experiência e muita técnica para criar, antes de tudo, um bom ambiente para que as pessoas possam participar de toda a negociação.
Especialmente quando se trabalha com separações, o cliente não nos procura no seu melhor momento, ao contrário. As pessoas não se casam pensando em se separar e por isso a separação é um trauma muito grande que abala a estrutura familiar. Quando me refiro à separação, quero dizer todo o rompimento do vínculo afetivo entre as pessoas que são a base da família, ou seja, divórcios ou dissoluções de união estável. A dor desta separação é equiparada à dor da perda, ao luto e por isso é necessário que se transite bastante pela psicologia. Primeiro para aprendermos a nos conhecer e conhecer nossas próprias limitações e capacidades, e depois para aprendermos a acolher o emocional e separá-lo do problema que precisa ser resolvido, protegendo a família e mantendo a autonomia dos envolvidos. A decisão, nestes casos, cabe às próprias pessoas, e não a um juiz.
O litígio, a perda de autonomia, só deve ocorrer quando esgotadas todas as possibilidades de composição amigável, ou, em casos extremos, onde o olhar atento do negociador capta interesses estranhos se sobrepondo aos interesses da própria família, e interrompe a negociação. Em toda a minha vida profissional, isso aconteceu apenas uma vez.
Ao contrário do litígio, onde delegamos a um terceiro o poder das decisões importantíssimas sobre a família, a autonomia garante aos clientes estas deliberações, e quando eles se dão conta disso, passam a cooperar e torcer para um bom desfecho. O papel do negociador é conscientizar, é identificar os reais problemas, é oferecer alternativas, é montar cenários com todas as possibilidades em pauta para que os clientes se visualizem nas posições e consigam compreender o que está em jogo, o que é inegociável e onde precisam ceder.
Ao fim, este cliente que atravessou a separação, amparado por um bom profissional, consciente de toda a problemática e participativo das decisões que são base para a nova família, certamente indicará com afinco este específico modelo de trabalho.
Para o advogado, é o fim dos processos sem fim, das peças processuais procrastinatórias e repetidas, dos honorários só no êxito. Ainda mais especial é sermos vistos com outros olhos, como profissionais diferenciados, que prestam advocacia de vanguarda, solucionando de fato os interesses da família, de forma mais macia e minimizando traumas. Será impossível substituir este profissional por uma máquina ou um app gratuito.
Então, para mim, vencer no direito de família é manter a AUTONOMIA! Autonomia para o cliente, que com a ajuda do advogado, decidirá pelo bem da família, e autonomia para o próprio advogado, que terá mais espaço para mostrar a verdadeira habilidade na advocacia de família, assegurando relacionamentos mais saudáveis, mesmo quando a separação é inevitável!