A advogada Mariana Tripode fala sobre a guarda compartilhada e chama a atenção para casos em que há violência doméstica
Mariana Tripode* Publicado em 17/06/2021, às 21h17
A divisão da custódia dos filhos de pais separados é regulamentada e definida como obrigatória pela Lei da Guarda Compartilhada (Lei 13.058/14). E é por meio dela que são finalizados os casos de relacionamentos infelizes entre um homem e uma mulher. E como soberana, a lei se impõe em todos os processos, sem levar em conta o histórico dessa família.
Sejam nos tribunais ou em bate papo informal num café da esquina, todo mundo conhece uma história. No caso de nós, advogados, conhecemos os personagens da vida real. O enredo é bem comum.
Cena 1: um homem autoritário, machista e violento agride sua mulher, muitas vezes na presença dos filhos, até o ponto dela não suportar mais e buscar um fim para este relacionamento abusivo.
Cena 2: uma mãe, amparada por uma das mais bem-sucedidas leis em defesa das mulheres, a Lei nº 11.340/2006 (a conhecida Lei Maria da Penha), que além de tipificar as violências domésticas e familiares, também preceituou a possibilidade de determinar o afastamento do agressor do lar e do convívio da mulher em situação de violência.
Cena 3: o caso da separação litigiosa chega aos tribunais e neles, juízes atarefados encerram os casos de separação, determinando os dias e os termos da Guarda Compartilhada. Um fim de semana com papai, um fim de semana com mamãe; quinze dias de férias escolares com um, outros quinze com o outro. E tudo bem, vida que segue. Só que não, caros leitores.
A Lei da Guarda Compartilhada e a Lei Maria da Penha são antagônicas, mas deveriam caminhar em paralelo em decisões tão complexas que envolvem os pequenos e causam danos irreparáveis na vida de uma criança. Como obrigar que os filhos passem um tempo com o pai que agrediu tanto a mãe, na frente deles. Homens com histórico violento com suas parceiras costumam repetir o mesmo padrão de comportamento com os filhos. As agressões são físicas, verbais e muitas vezes compactuadas com a nova parceira, que não suporta a prole do antigo relacionamento.
Imposições como estas são desumanas. Não podemos mais permitir que o judiciário feche os olhos para realidades tão corriqueiras como as descritas. Os casos de sofrimento das crianças são inúmeros, como disse anteriormente, todo mundo conhece um. Essas histórias não têm um bom fim.
O estudo "Um Rosto Familiar: a violência na vida de crianças e adolescentes", da Unicef, publicado em 2017, aponta que uma em cada quatro crianças menores de 5 anos, no mundo, ou seja, cerca 177 milhões, vive com uma mãe vítima de violência doméstica.
No Brasil, de acordo com o relatório do Ligue 180 – Balanço 2016, mais de 80% dos filhos presenciaram ou também sofreram violência junto com as mães.
Diante de quadros tão violentos e sabidos pela grande maioria da população, devemos exigir um novo olhar sobre a Lei da Guarda Compartilhada. Sua imposição é inaceitável em muitos casos, que merecem uma análise mais personalizada. Não vamos mais empurrar os filhos para as covas dos leões, que os senhores juízes sejam mais prudentes e criteriosos nessas soluções. Cada caso é um caso. Agindo com mais cuidado, certamente teremos crianças menos violentadas em processos de separações dos pais.
*Mariana Tripode é advogada especializada em Direito das Mulheres, Direito e Gênero.
(artigos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião do Papo de Mãe)
A Guarda Compartilhada em tempos de Covid-19
Pesquisa inédita: a trajetória da guarda compartilhada no Brasil
Guarda Compartilhada – Você sabe como funciona a lei?
Como funciona a guarda compartilhada? | Momento Papo de Mãe
Guarda compartilhada registra seu maior crescimento histórico no Brasil