"Mães: quem são? O que fazem? Como vivem? O que comem? Quando dormem?" questiona o pediatra Moises Chencinski
Moises Chencinski* Publicado em 22/11/2021, às 11h52
É um tema recorrente.
Desde que comecei a “observar” a amamentação e falar sobre isso (e lá se vão... deixa pra lá), a cada dia uma surpresa foi me conduzindo a um caminho que não me trouxe soluções ou respostas definitivas.
Aliás, algumas delas até me desanimaram pela quantidade e tamanho das mudanças necessárias para que fossem eficazes e fizessem de fato diferença.
Hoje me passaram um vídeo simples, direto, real, “sem maquiagem”, doloroso de tão verdadeiro (eu repostei, mas os créditos são do original – Carolina Burgo). Um vídeo sobre a mãe invisível. E não só o vídeo, mas o texto que segue também traz muitas razões para reflexão.
“Taí, eu devia criar uma coluna chamada “Crônicas da Mãe Invisível” só para escrever sobre momentos absolutamente corriqueiros nos quais sou surpreendida por falas aparentemente despretensiosas, mas que me atingem de uma forma dolorida como mãe e me fazem acreditar que ainda que eu andasse com uma melancia pendurada no pescoço, eu seria invisível na maior parte do tempo.”
Obviamente, fui ao dicionário. Só que dessa vez, as definições me assustaram.
Adjetivo.
Com essas avaliações, como pode uma mãe ser considerada invisível?
Como alguém (tomando o vídeo como exemplo de muitas situações parecidas) com uma criança no carrinho, na rua, a caminho da escola e um cachorro, na coleira, “não tem visibilidade” ou “não aparece por pertencer ao domínio da imaginação” ou tem “extrema pequenez”?
Até no dicionário falta a definição da invisibilidade por outra causa; talvez uma justificativa desconhecida; talvez seja uma conhecida, mas difícil de engolir; talvez uma tão “complicada” para aceitar que seja “melhor” não ver e não definir mesmo.
Vamos surtar um pouco?
Como seria... um mundo sem gestações?
- ... em que não nascesse mais ninguém?
- ... sem crianças?
- ... repleto de pessoas, mas que, com o tempo, fossem “morrendo, sem reposição”?
- ...
Ou como seria... um mundo com gestações, masssss em que as crianças não fossem responsabilidade de uma só pessoa?
- ... sem “mães”, só com gestantes?
- ... um mundo em que as crianças fossem gestadas e paridas por uma mulher, e depois “cuidadas”, amamentadas, nutridas, banhadas, vestidas, colocadas para dormir, ninadas em seus despertares à noite, acolhidas, consoladas, educadas, vacinadas, ouvidas, acalentadas, estimuladas, “brincadas”, acarinhadas, entre tantas outras “funções”, por uma “rede de cuidados de filhos”?
Essa “rede de cuidados de filhos” já existe e tem até nome: MÃE.
Quando um pai sai de manhã com seu filho no carrinho, seu cachorro, vai à padaria, e toma seu café da manhã (num sábado ou domingo, logicamente), sorrindo (mas, provavelmente, olhando para o celular grande parte do tempo) ... dá pra imaginar os comentários?
“Nossa, que lindo. Esse “pai-homem” está deixando a mãe “descansar” (oi?) e dormir até mais tarde. Que paizão.”
Mas, nem sempre a mãe pode usufruir desse momento-invisibilidade.
Basta um bebê chorar e uma mãe pensar em amamentá-lo na rua, e parece que holofotes da vergonha e da censura se acendem e uma multidão raivosa está imediatamente preparada para julgá-la, ou melhor, até condená-la, sem direito a julgamento.
Isso é cultural, social, educacional, transgeracional. Há quanto tempo isso acontece? Será que estamos fazendo algo, verdadeiramente eficaz, para reverter, mudar, redirecionar essa realidade?
Essa pode ser a verdadeira e a principal, nunca a única, razão para essa invisibilidade.
É preciso (e já é tarde, mas antes tarde do que mais tarde), e tudo isso ao mesmo tempo, ter políticas públicas, mudanças na educação infantil, no ensino médio, nas universidades, transformação de leis trabalhistas que não privilegiem apenas um grupo de mães, muito mais reforço da mídia, da imprensa e até a perpetuação da visão “machista” dentro das próprias famílias, muitas vezes até pelas próprias mães pressionadas pela “violência cultural vigente”.
Lugar de fala. E para isso é necessário que mulheres tenham voz, representatividade e visibilidade nas decisões que dizem respeito a mulheres. E, mesmo quando e enquanto não for esse o caso, é preciso ver, ouvir, sentir, acolher cada mulher em cada lágrima, cada sorriso, cada rubor de raiva ou de vergonha, cada emoção ou falta dela, e agir.
Esse texto é para mim, para você, para todos aqueles que ainda não querem enxergar e preferem manter a sua (falta de) visão sobre o tema. Essa invisibilidade tem os dias contados. Que a luz de um mundo novo ilumine nossos caminhos para um futuro mais justo e mais feliz. E que nada mais fique oculto e invisível nas trevas dos preconceitos e da intolerância.
*Dr. Moises Chencinski , pediatra e homeopata.
Membro do Departamento Científico de Aleitamento Materno da Sociedade Brasileira de Pediatria (2016 / 2019 – 2019 / 2021).
Autor dos livros HOMEOPATIA mais simples que parece, GERAR E NASCER um canto de amor e aconchego, É MAMÍFERO QUE FALA, NÉ? e Dicionário Amamentês-Português
Editor do Blog Pediatra Orienta da Sociedade de Pediatria de São Paulo.
O respeito às mães e aos pais
Podcast: dicas para mães sobrecarregadas manterem o equilíbrio
Perspectivas maternas para o pós-pandemia
A insegurança financeira e a saúde mental: por que as mães solo são as mais afetadas?
Eu nasci para ser mãe?