Mães e pais muitas vezes erram tentando acertar. E tudo bem.
Anna Mehoudar* Publicado em 02/10/2021, às 07h00
Erros e acertos no cuidado com as crianças são inevitáveis. Acertar sempre, pode ser entendido como da ordem do impossível. Desde a gestação a criança responde às iniciativas dos pais e aponta caminhos. E quando pai e mãe conseguem finalmente se tranquilizar em relação a alguma conquista junto à criança, novas habilidades, avanços e recuos pedem por uma nova compreensão, por uma nova rotina. A plasticidade da criança - sua curiosidade, suas conquistas, sua disposição para ler o mundo e se comunicar com os adultos de referência - é um desafio diário para mães e pais.
Uma gestante se preparou por meses para o parto, com todos os recursos conhecidos. Como o bebê continuava sentado, ela fez exercícios, sessões de acupuntura e insistiu em posições que supostamente favoreceriam a virada da criança. Depois de algumas tentativas ela desistiu de seu sonho por um parto “normal”, ponderando que por algum motivo o bebê não queria ou não podia assumir uma posição cefálica. O mais importante seria respeitar a criança e lidar com a sua frustração.
Assim como outros cuidados, o banho ou o umbigo por exemplo, há sempre alguma tensão em cortar as unhas dos bebês. Uma mãe consegue cortar as unhas de sua bebê enquanto vai nomeando cada dedo e mostrando como faz. Ela apostou na possibilidade de a filha entender o que estava fazendo, e deu certo...
O incômodo de pais e mães também pede alternativas de manejo. Depois de algum tempo dormindo com o bebê na mesma cama, pai e mãe, incentivados pela experiência de outros pais, decidiram colocar o filho para dormir no berço. E para a sua surpresa, todos conseguiram dormir muito melhor!
Uma outra mãe ficou aliviada quando soube que não precisava mais colocar luvas nas mãos de sua bebezinha de 2 meses. Desinformada, ela acreditava que crianças podem adquirir mal hábitos, como aquele de chupar o dedo. Colocar as mãos na boca é um sinal de saúde nessa idade; os bebês têm interesse em explorar o mundo e esse interesse começa pelo corpo da mãe enquanto mama, e depois passa pelo seu próprio corpo quando conseguem coordenar mãos e boca. Privar uma criança dessa exploração é impedir que faça uma experiência importante.
Independente das verdades transitórias da medicina, algumas crianças ficam satisfeitas quando mamam em apenas uma mama, enquanto outras precisam que a segunda mama seja oferecida. O importante é verificar se há uma boa pega e se a sucção é nutritiva. Assim a mulher se protege de informações contraditórias.
Pequenos desafios marcam novas conquistas, e alguns pais e mães se surpreendem quando a criança consegue dormir no berço, começa a gostar de novos alimentos, volta a dormir após alguns resmungos, não chora para ficar no berçário, e chora no colo da avó. Algumas famílias precisam de mais tempo para apostar em hábitos que apontam na direção de sua autonomia.
Bebês gostam de tomar iniciativas e ficam triunfantes quando conseguem se apropriar de novas habilidades. Tirar a meia de um pé, com o outro pé, pode se tornar uma boa brincadeira. Da mesma forma as crianças ficam radiantes quando conseguem repetir sons e sonoridades, soltar objetos no chão que “obrigam” os pais a pegá-los. As crianças aprendem com as repetições, e boas brincadeiras tendem a ser repetidas um sem-fim de vezes, assim como acontecerá mais tarde, com as boas histórias.
Desde pequenos os bebês podem entender que as fraldas ficam em uma gaveta, as roupas em outra e que alguns brinquedos podem ficar no chão. Depois poderão ajudar a guardar os brinquedos e a colaborar com os cuidados com a casa. Músicas inventadas pelos pais ou de seu repertório familiar e cultural podem marcar algumas rotinas, com alegria.
Todo cuidado é pouco para a criança não perder a espontaneidade e começar a fazer caras e bocas para atender adultos que insistem em fotografá-la ou filmá-la. Criança gosta de ser levada a sério, gosta de conversar, de testar as suas teorias sobre o funcionamento do mundo, e dos objetos a sua volta.
Aceitar as iniciativas e as invenções dos pais, das mães e dos bebês nem sempre é fácil, mas é válida a experimentação quando nos relacionamos com pessoas em formação.
*Anna Mehoudar, Psicanalista - Gamp.21 (Grupo de apoio à maternidade e paternidade)