Em conversa com o Papo de Mãe, Maria da Penha, presidente do Instituto Maria da Penha, faz um balanço destes 15 anos da lei que tem o seu nome
Mariana Kotscho* Publicado em 07/08/2021, às 07h00
A Lei Maria da Penha, criada após a luta de muitos anos da farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, que sobreviveu a duas tentativas de feminicídio por parte do então marido, completa neste sábado, 7 de agosto, 15 anos. De Fortaleza, no Ceará, onde mora, Penha conversou com a reportagem do Papo de Mãe e enviou um vídeo em que faz um balanço dos 15 anos da lei (veja abaixo).
"Gostaria de dizer que a Lei que leva o meu nome e está completando 15 anos é motivo de muita alegria, mas também de muita responsabilidade. Esta Lei que veio para proteger e resgatar a dignidade de nossas mulheres por si só não tem o poder de acabar com a violência doméstica e familiar contra a mulher. Ela precisa ser implementada em todos os municípios do país. É importante que os gestores públicos dos pequenos muncípios saibam da importância de criar um centro de referência da mulher dentro de uma unidade de saúde, o que vai ajudar a mulher a traçar a melhor estratégia para romper com o ciclo da violência". (Maria da Penha)
Faz quase 40 anos que um tiro nas costas, enquanto dormia, quase tirou a vida de Maria da Penha. Foi em Fortaleza (CE), dia 29 de maio de 1983. Ela tinha 38 anos. Depois ela ainda viria a sofrer outro atentado, ser eletrocutada no chuveiro.
A Lei Maria da Penha, criada em 2006 para punir a violência doméstica no Brasil, é considerada uma das melhores do mundo na proteção das mulheres. E, na data de hoje, Maria da Penha faz um apelo:
"Precisamos nos comprometer cada vez mais com a defesa desta Lei. Conto com todos e todas para a defesa da Lei Maria da Penha e para a incansável luta de defesa dos direitos das nossas mulheres". (Maria da Penha)
Em fevereiro deste ano, Maria da Penha já tinha enviado uma carta ao STF pedindo mais rigor nas políticas públicas de combate à violência doméstica, que aumentou ainda mais na pandemia. Em entrevista exclusiva ao Papo de Mãe, no dia do seu aniversário, em 1o de fevereiro, Maria da Penha já havia dito que “O STF precisa focar nos casos de violência contra a mulher para melhorar a questão da implementação da lei que leva meu nome. Faltam políticas públicas para colocar a Lei em prática. Pouca coisa melhorou e o que depende de política pública, estacionou”.
O Brasil fica em quinto lugar no ranking dos países que mais matam mulheres. E, em geral, elas são assassinadas por maridos, namorados, companheiros ou ex que não aceitam o fim do relacionamento. “Me sinto chateada e preocupada com a situação das mulheres no meu país. A principal finalidade da Lei Maria da Penha não é punir homens, é proteger as mulheres e punir o homem agressor”, desabafa Maria da Penha.
Maria da Penha também ressalta a importância da aplicabilidade correta da Lei Maria da Penha, que deve ser híbrida e não pode ser ignorada em audiências da Vara de Família, como fez o juiz Rodrigo de Azevedo Costa, conforme denunciou o Papo de Mãe em dezembro.
Importante lembrar que a Lei Maria da Penha é considerada uma das melhores do mundo para proteger mulheres. E Maria da Penha preside o Instituto Maria da Penha, que faz também um trabalho de prevenção e educação, inclusive com crianças. Apesar de tudo, ela diz que ainda tem esperança de ver esta realidade mudar no país.
Em 1983, Maria da Penha foi vítima de dupla tentativa de feminicídio por parte de Marco Antonio Heredia Viveros, seu então marido.
Juntando as peças de um quebra-cabeça perverso montado pelo agressor, Maria da Penha compreendeu os diversos movimentos feitos pelo ex-marido: ele insistiu para que a investigação sobre o suposto assalto não fosse levada adiante, fez com que ela assinasse uma procuração que o autorizava a agir em seu nome, inventou uma história trágica sobre a perda do automóvel do casal, tinha várias cópias de documentos autenticados de Maria da Penha e ainda foi descoberta a existência de uma amante.
Cientes da grave situação, a família e os amigos de Maria da Penha conseguiram dar apoio jurídico a ela e providenciaram a sua saída de casa sem que isso pudesse configurar abandono de lar; assim, não haveria o risco de perder a guarda de suas filhas.
O segundo julgamento só foi realizado em 1996, no qual o seu ex-marido foi condenado a 10 anos e 6 meses de prisão. Contudo, sob a alegação de irregularidades processuais por parte dos advogados de defesa, mais uma vez a sentença não foi cumprida.
O ano de 1998 foi muito importante para o caso, que ganhou uma dimensão internacional. Maria da Penha, o Centro para a Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM) denunciaram o caso para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA).
Em 2002, conforme se verificou, era preciso tratar o caso de Maria da Penha como uma violência contra a mulher em razão do seu gênero, ou seja, o fato de ser mulher reforça não só o padrão recorrente desse tipo de violência mas também acentua a impunidade dos agressores.
Diante da falta de medidas legais e ações efetivas, como acesso à justiça, proteção e garantia de direitos humanos a essas vítimas, em 2002 foi formado um Consórcio de ONGs Feministas para a elaboração de uma lei de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher:
Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA); Advocacia Cidadã pelos Direitos Humanos (ADVOCACI); Ações em Gênero, Cidadania e Desenvolvimento (AGENDE); Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação (CEPIA); Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM/BR); e Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero (THEMIS), além de feministas e juristas com especialidade no tema.
Após muitos debates com o Legislativo, o Executivo e a sociedade, o Projeto de Lei n. 4.559/2004 da Câmara dos Deputados chegou ao Senado Federal (Projeto de Lei de Câmara n. 37/2006) e foi aprovado por unanimidade em ambas as Casas.
Assim, em 7 de agosto de 2006, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei n. 11.340, mais conhecida como Lei Maria da Penha.
Considerando que uma das recomendações da CIDH foi reparar Maria da Penha tanto material quanto simbolicamente, o Estado do Ceará pagou a ela uma indenização e o Governo Federal batizou a lei com o seu nome como reconhecimento de sua luta contra as violações dos direitos humanos das mulheres.
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