Artigo da advogada Natália Veroneze, que faz parte do coletivo Política é a Mãe
Natália Veroneze* Publicado em 22/01/2021, às 00h00
“A gestação é um momento de muitas transformações para as mulheres. Junto com o resultado positivo, porém, podem surgir muitas dúvidas e inseguranças para a mulher trabalhadora”.
Neste artigo temos o intuito de tirar as principais dúvidas sobre quais são as garantias legais das mulheres gestantes e lactantes, para que passem por essa fase com tranquilidade e livres das violências veladas que, infelizmente, ainda afetam as trabalhadoras do mercado formal no Brasil.
Se você já passou por uma gestação enquanto estava trabalhando no mercado formal deve se lembrar que nem tudo é belo para a maioria das mulheres. Você lembra o que você ouviu quando disse ao seu empregador que estava grávida? Como sua equipe e gestores reagiram a essa notícia?
A descoberta da chegada de um novo ser humano ao mundo deveria ser motivo de alegria e satisfação, porém, muitas vezes, essa notícia acaba despertando comentários que escancaram o papel da maternidade compulsória imposta para as mães, como se elas automaticamente fossem encaradas como as únicas responsáveis pelo trabalho de cuidado com a criança que está chegando.
Quando anunciam uma gestação, as mulheres automaticamente passam a ser questionadas sobre a futura carga de trabalho que virá com o bebê, como se não fosse necessário uma aldeia ou um pai presente para encarar essa nova etapa.
Ao anunciar uma gestação, a mulher precisa enfrentar estigmas sociais que ainda a colocam como principal cuidadora daquela criança que está chegando. Elas ainda escutam frases como “Mas você vai voltar?” ou “Não podemos ficar sem alguém na sua função por tanto tempo”. É comum que as mulheres mantenham pactos secretos dentro do departamento para que mais de uma empregada não engravide ao mesmo tempo, para “não deixar a empresa na mão”. É comum que a notícia da gestação seja acompanhada pelo medo de serem substituídas prontamente por alguém que não vá se ausentar do trabalho por 120 dias e ainda é comum que as empresas façam sondagens a respeito da vontade de suas funcionárias em serem mães antes de oferecer um cargo com mais responsabilidades.
Esse medo se comprova por meio das brutais estatísticas que mostram que 50% das mulheres são demitidas até o segundo ano de vida da criança, de acordo com a pesquisa da Fundação Getúlio Vargas. Esse número é um pouco menor para as mulheres com maior grau de escolaridade, porém os estigmas sociais atingem a todas, sem distinção de raça ou classe social, sendo certo que quanto menor a escolaridade da mulher, maior a sua vulnerabilidade.
Se hoje já contamos com garantias constitucionais como a da estabilidade, que garante que o vínculo empregatício não seja rompido sem justa causa desde o momento da concepção até 5 meses após o parto, temos também um cenário que se agravou com a Pandemia do coronavírus, uma vez que as escolas e creches permanecem fechadas, o que impossibilita a divisão dos cuidados com outros equipamentos sociais, que eram responsáveis pela divisão dos cuidados entre a família e o Estado.
Durante a gestação, além de contarem com a estabilidade, as gestantes têm direito a, no mínimo, seis faltas justificadas para que possam realizar exames. Esse número pode ser maior em alguns casos, bastando a apresentação do atestado médico, caso a mulher precise de maiores cuidados.
Além disso, com a gestação, é possível que as trabalhadoras sejam alocadas em postos de trabalho diferentes sempre que a função exponha a gestante ou a lactante a um ambiente insalubre, ou que não seja compatível com a manutenção plena da sua saúde, sem prejuízo do adicional de insalubridade em sua folha de pagamentos.
Durante a Pandemia do coronavírus, tivemos a inclusão das gestantes no chamado grupo de risco, ou seja, os cuidados devem ser ainda maiores durante esse período e é necessário que elas sejam realocadas para funções que não a exponham ao contato com pessoas contaminadas ou até mesmo que precisem de uma licença maior durante esse período, o que será decidido de acordo com cada caso, tendo em vista o parecer médico da gestante, com a manutenção do pagamento da licença maternidade durante todo o período de afastamento.
O Direito mais conhecido das mulheres nessa fase é o da Licença Maternidade, que garante o afastamento das mulheres por um período de, no mínimo 120 dias, contados a partir do 28° dia que antecede o parto ou a partir do dia do nascimento do bebê. Esse prazo pode ainda ser estendido para 180 dias em empresas que aderem ao Programa Empresa Cidadã ou para funcionárias públicas.
A licença maternidade também é devida às mulheres que adotam uma criança e aos pais viúvos, sendo que no caso das adotantes, o benefício é calculado com base na idade da criança a ser adotada. (120 dias para crianças de até 1 ano; 60 dias para crianças de 1 a 4 anos e 30 dias para crianças de 4 a 8 anos).
Nas empresas, o pagamento da licença maternidade é feito diretamente pelo empregador e não deve ser inferior ao salário percebido pela mulher antes da gestação. As empregadas domésticas recebem o benefício do INSS, que calcula o valor com base no último salário de contribuição. Já as empregadas autônomas recebem o benefício com base em 1/12 da soma dos 12 últimos salários de contribuição e o responsável pelo pagamento também será o INSS.
Recentemente, o STF concedeu liminar para que se reconheça como marco inicial da licença maternidade a data da alta hospitalar da mãe ou do recém-nascido (o que acontecer primeiro), possibilitando um aumento do benefício em até 14 dias para as mães de bebês prematuros, o que é benéfico nos casos mais graves, onde a internação é maior do que duas semanas. Dessa forma, as mulheres podem contar com mais tempo para cuidar dos seus recém nascidos em casa.
Temos ainda a manutenção do direito à licença maternidade às mulheres que sofrem um aborto. Nesse caso, caso o aborto aconteça até a 23° semana de gestação, cabe o direito ao afastamento do trabalho por duas semanas. Quando o aborto ocorre após a 23° semana ou em casos de bebês natimortos, os direitos são os mesmos do parto, tendo a mulher direito à licença de 120 dias ou mais nos casos específicos.
Após o parto as brasileiras contam ainda com dispositivos legais que garantem a amamentação do recém-nascido até o sexto mês de vida. Para que possam exercer esse direito, é garantido às empregadas com jornada de trabalho superior a 8 horas, dois intervalos de 30 minutos para que possam amamentar seus filhos até o sexto mês. Em empresas com mais de 30 funcionárias deve haver um local específico para garantir a lactação e esse período de 6 meses pode ser aumentado em casos específicos para garantir a saúde do recém nascido.
As empresas que não contam com uma sala de amamentação adequada podem negociar o período de descanso com as funcionárias, que podem chegar até uma hora mais tarde ou sair uma hora mais cedo do posto de trabalho, o que será decidido em acordo individual entre a empregada e o empregador.
Mesmo com uma robusta legislação para garantir os direitos das mulheres no Brasil, ainda temos um longo percurso para que a maternidade deixe de ser um tabu no mercado de trabalho. Os pais no Brasil ainda estão em desvantagem para que possam ter uma paternidade responsável.
Os homens não viúvos contam com o direito de se ausentar do trabalho por apenas 5 dias, podendo esse período ser prorrogado por mais 15 dias, totalizando 20 dias de afastamento remunerado para as empresas Cidadãs. Os pais que adotam uma criança com guarda unilateral podem ainda contar com o mesmo período de licença das mulheres, de acordo com a idade da criança, como visto acima.
Apesar de o Brasil contar com todas essas garantias, ainda temos muito a conquistar para que homens e mulheres tenham igualdade no mercado de trabalho. Países como o Japão e a Suécia têm uma política muito mais inclusiva e que permite com que os pais possam exercer as funções de cuidado em maior pé de igualdade com as mulheres. Apesar de não receberem o mesmo valor salarial, nesses países os genitores podem contar com licenças de aproximadamente 52 semanas recebendo entre 50% e 30% do valor dos salários fora do período da licença.
Ainda vivemos em uma sociedade que presume que os cuidados com as crianças são exclusivos das mulheres. Esse entendimento sobrecarrega as mulheres e afasta os homens do seu papel de cuidadores.
Se queremos construir um país menos desigual, é importante que os homens também se envolvam com essas questões, que eles se organizem em seus grupos de trabalho para erradicar o preconceito que existe em torno da contratação de mulheres em idade fértil e para que eles também questionem seus empregadores sobre os benefícios que terão quando se tornarem pais.
Sabemos que os desafios são enormes e que as mulheres passam por outras violências além do preconceito que existe com relação à maternidade, porém, quando nos munimos de informação de qualidade e quando entendemos os nossos direitos temos maiores condições de negociar políticas públicas que sejam efetivas na proteção das mulheres e dos bebês que estão chegando.
Você ainda tem alguma dúvida com relação aos seus direitos? Acha que as mulheres podem mesmo respirar aliviadas ou que ainda temos muito a construir juntas?
Deixe seus comentários e vamos juntas lutar pela tão sonhada igualdade entre homens e mulheres!
*Natália Veroneze é advogada feminista e atende exclusivamente mulheres. Faz parte do coletivo Política é a Mãe.
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