Violência doméstica: um marido que agride uma mãe não é um bom pai

Nathalie Malveiro, promotora de Justiça de enfrentamento da violência doméstica do MPSP, fala sobre caso do adolescente que matou o pai para defender a mãe

Ana Beatriz Gonçalves* Publicado em 06/08/2021, às 09h31 - Atualizado às 09h38

Violência doméstica é grave e afeta diretamente as crianças -

Esta semana em que a Lei Maria da Penha completa 15 anos (dia 7) foi marcada por mais uma tragédia envolvendo violência doméstica. Na última quarta-feira (4), o caso de uma família do interior de São Paulo, em Valinhos, veio à tona e impressionou com o final trágico. Um adolescente de 14 anos matou o próprio pai enquanto tentava se proteger e também proteger a mãe.

Segundo as autoridades, o homem tinha histórico violento e agredia a própria esposa. De acordo com matéria do portal UOL, o adolescente foi tentar defender a mãe durante uma discussão familiar, e foi ameaçado pelo pai com uma barra de ferro. O tenente da Polícia Militar, Juliano Cerqueira, confirmou a história após apurar o caso: "O empresário era uma pessoa violenta, ameaçava mãe e filho constantemente e o tempo todo andava com uma arma na cintura, inclusive dentro de casa. Ontem houve mais uma discussão entre o casal e o garoto pegou a arma e, com medo do que pudesse acontecer com a mãe, atirou contra o pai", disse. (veja a publicação).

Infelizmente histórias como essa são comuns, diz Nathalie Malveiro, que é Promotora de Justiça de enfrentamento da violência doméstica do Ministério Público de São Paulo há quase 30 anos. Em entrevista ao Papo de Mãe, a especialista afirma que o ciclo da violência doméstica é extremamente prejudicial para crianças e jovens, além é claro, de ser crime.

"O que a gente sabe de estudos, é que uma criança que presencia violência doméstica vai ter consequências de curto, médio e longo prazo. Os impactos são gigantes, entre eles, ocorre uma naturalização da violência. E nesse caso, um impacto extremo porque no fim das contas ele acabou matando o próprio pai", comenta.

Os prejuízos emocionais e psicológicos para crianças e adolescentes que vivem no ciclo da violência

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Efeitos da violência

Além de casos extremos como esse da família de Valinhos, Nathalie Malveiro alerta para outras consequências e sinais que crianças e adolescentes apresentam, como, por exemplo; baixo rendimento escolar, timidez excessiva, brigas na escola e agressividade, entre outros.

"Meninos que veem as mães sendo agredidas acabam tendo uma tendência maior de se tornarem agressores, vão buscar solucionar os conflitos de forma violenta. Mulheres que veem as mães sendo agredidas acabam sendo mais suscetíveis a viverem um relacionamento abusivo", explica.

É importante ressaltar que crianças que presenciam violência doméstica também são vítimas. "Ele provavelmente assistia essa violência desde criança e agora com 14 anos se sentiu forte o suficiente par defender a mãe e acabou cometendo um homicídio em legítima defesa".

O mito do bom pai

A promotora de Justiça do MPSP também comenta o tal do mito do bom pai, difundido em muitos discursos, como no caso dos que agridem as mulheres. "Ah ele pode ser um péssimo marido, mas é um excelente pai. Isso não existe", ressalta:

Um homem que agride a mulher está atingindo a aquela família em seu seio. Não tem como ser um bom pai, se ele causa uma dinâmica na família que acaba atrapalhando a parentalidade", completa.

O ciclo da violência é fácil de ser reconhecido, de acordo com Nathalie. Ela explica que existem três fases, sendo elas; a tensão – quando acontecem as ofensas e violência psicológica e verbal –, a explosão – o ato em si da violência física – e por fim a fase da "lua de mel", quando a vítima ameaça denunciar ou sair de casa, e o agressor pede desculpas. 

Mas o que a especialista também aponta como principal causa do ciclo da violência se manter, é a insegurança financeira e psicológica que muitas mulheres enfrentam, com medo, sobretudo, do que os filhos podem passar.

"A mãe tem muito receio de romper esse relacionamento e ter que deixar depois o filho passar um final de semana com esse pai, sem que ela esteja presente. Ela se coloca como um escudo de proteção", afirma.

*Ana Beatriz Gonçalves é jornalista e repórter do Papo de Mãe


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