Roberta Manreza Publicado em 02/07/2016, às 00h00 - Atualizado às 10h38
Por Anna Mehoudar*, psicanalista
O cansaço da maioria dos pais começa com as noites mal dormidas do recém-nascido e pode se arrastar vida afora. É comum ouvirmos expressões como: – Estou exausta, acabada, destruída, cheguei ao limite, não dou conta. Na maioria das vezes, a fala é da mulher, mas também pode ser uma expressão do casal.
No começo, não há trégua mesmo, o recém-nascido exige cuidados ininterruptos. Ele não tem dia, nem noite e seu comportamento beira ao caos. A arte do pós-parto é justamente aquela de saborear os intervalos: descansar quando o bebê descansa.
Os filhos crescem e continuam exigindo um trabalho diário que se repete por anos e anos, em diferentes graus de intensidades. Essa trabalheira costuma ser assumida com mais ou menos dificuldade pelos pais. Eles se organizam, dividem tarefas, buscam ajudas para recuperar frações de tempo para si e para projetos que não incluem crianças.
Entretanto, temos observado outra qualidade de cansaço. Um cansaço exasperante, que convive com a família e transtorna as relações familiares. Pensamos que esse cansaço dos “à beira de um ataque de nervos” pode ser evitado, se um novo prumo direcionar o dia a dia…
Muitas vezes, é mais fácil dar guloseimas às crianças ao invés de refeições com nutrientes variados. Outras, é mais gostoso adiar a hora de colocar as crianças na cama para ficar no sofá vendo TV. A dificuldade do adulto em instalar certos hábitos na rotina da casa, tende a confundir as crianças e piorar substancialmente a situação.
Muitas e muitas vezes… É mais fácil ceder, do que dizer não!
Todos nós, enquanto filhos, herdamos a possibilidade de um dia ocuparmos o lugar de pais. Muitas vezes, sem que os adultos se deem conta, o adiamento da ação vem do desejo de permanecer na situação de deleite infantil, e ser cuidado ao invés de cuidar. Ou seja, os pais competem com os filhos pelo prazer do sofá.
Pais que não ocupam o lugar de pais, junto aos filhos, pagam um preço enorme. O dia a dia fica impregnado de cansaço, explosões, gritaria e perda de paciência. Crianças que passam da hora de dormir dão muito mais trabalho, fazem cenas, se irritam, levam os pais a perder a cabeça. Crianças que não cooperam pesam… Quanto mais se arrasta no tempo a “ausência” dos pais, na função de educadores, maior é o drama familiar.
Educar pressupõe ocupar o lugar daqueles que nos educaram. Ou seja, apropriar-se da própria história para construir uma nova história: colocar as crianças na cama, para que a casa possa ser confortavelmente usufruída por adultos que assim assumem seus lugares, legitimamente conquistados. E podem descansar.
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*Anna Mehoudar é psicanalista do Gamp – Grupo de Apoio à Maternidade e Paternidade e autora do livro “Da gravidez aos cuidados com o bebê. Um manual para pais e profissionais”. Contato: [email protected]. Acesse: https://gamp21.com.br/