Numa escola, o que acontece quando um menino pede para vestir uma fantasia de princesa? Ou quando uma menina pede uma fantasia de herói?
Ana Paula Yazbek* Publicado em 17/02/2021, às 00h00 - Atualizado em 18/02/2021, às 07h55
Imagine o quarto de um menino…
Agora, imagine o quarto de uma menina.
Como eles são? Parecidos ou diferentes?
Quais brinquedos e fantasias têm? Quais cores prevalecem? Há detalhes em cor de rosa no quarto do menino?
Quantas bonecas o menino tem em seu quarto? Quantos carrinhos a menina tem?
É possível que muitas famílias tenham rompido o padrão rosa e azul e que privilegiem a compra de brinquedos diversos aos fihos(as). Mas, quais brinquedos familiares e amigos costumam dar a estas crianças nos aniversários e festas?
Agora, imagine uma escola de educação infantil. Você acha desejável que haja uma distinção entre os brinquedos de meninos e meninas? Ou acredita que o ideal é que todos os brinquedos sejam neutros (materiais não estruturados, jogo de construção, mosaico, quebra-cabeça, jogos de encaixar, instrumentos musicais.)? Será que isso é possível?
Numa escola, o que acontece quando um menino pede para vestir uma fantasia de princesa? Ou quando uma menina pede uma fantasia de herói? E quando um menino brinca com bonecas e uma menina com carrinhos, o que os adultos fazem?
São perguntas que merecem respostas abertas e ações gentis e respeitosas com as crianças e com seus interesses.
Este é um tema sensível na educação e pode dar margem a muitas polarizações. Não é isso que pretendo! Penso que pode ser interessante observarmos as brincadeiras das crianças e a partir dela pensarmos sobre os usos que fazem dos diferentes materiais e brinquedos. E lembrar que não existem brinquedos que servem exclusivamente para brincadeiras de meninos ou de meninas.
Foram inúmeras as vezes em que no meu percurso como educadora, meninos escolheram saias, tules e tiaras, enquanto meninas escolheram capas, escudos e armaduras. E sabem o que observei após estas escolhas? Meninos girando saias verdes e dizendo que eram gafanhotos perigosos, meninas ninando dinossauros embalados em capas. Também já vi meninos alisando asas de uma fantasia de pterodáctilo, como se fossem cabelos compridos e meninas colocando bonés cor de rosa com a aba para trás para esconder seus longos cabelos.
No dia a dia de uma escola de educação infantil, é preciso estarmos atentos a valores que transpassam em função das propostas e materiais disponibilizados às crianças, pois a depender do como organizamos os espaços e dos materiais selecionados, podemos perpetuar estereótipos e preconceitos.
A escolha dos materiais que serão oferecidos às crianças deve levar em consideração a necessidade de se romper com os padrões estipulados. Ao invés de comprar objetos predominantemente cor de rosa para uma brincadeira de casinha, por exemplo, pode-se privilegiar a compra de utensílios de cozinha, por exemplo.
As araras de fantasia podem ser compostas por capas, paletós, calças e saias de tecidos e acessórios de diferentes qualidades e cores (veludos, tules, cetim, chita…), que fujam ao padrão herói/princesa.
Certamente, iremos observar muitas brincadeiras e escolhas das crianças que irão nos mostrar diferentes formas de se brincar e de agir como meninos e como meninas, para além do que imaginamos como “naturais”.
Considero que famílias, educadores(as) e escolas precisam caminhar em direção à construção de um olhar mais aberto e livre de estigmas na educação das crianças.
*Ana Paula Yazbek é pedagoga formada pela Faculdade de Educação da USP, com especialização em Educação de Crianças de zero a três anos pelo Instituto Singularidades; iniciou mestrado na FEUSP em 2018 e está pesquisando sobre o papel da educadora de bebês e crianças bem pequenas.
É sócia-diretora do espaço ekoa, escola que atende crianças de toda Educação Infantil (dos 0 aos 5 anos e onze meses). Além de acompanhar o trabalho das educadoras, atua em cursos de formação de professores desde 1995 e desde 2002 está voltada exclusivamente aos estudos desta faixa etária.