Mariana Kotscho Publicado em 08/12/2020, às 00h00
Dia 10 de dezembro a escritora Clarice Lispector completaria 100 anos e o Brazil LAB, da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, realiza uma série de eventos comemorativos.
Autora brasileira mais traduzida no planeta, conhecida por seus livros e suas paixões, o que talvez nem todo mundo saiba é que para Clarice Lispector o papel de mãe foi ainda mais importante que o de escritora.
“Há três coisas para as quais eu nasci e para as quais eu dou minha vida. Nasci para amar os outros, nasci para escrever, e nasci para criar meus filhos”, contou na crônica “As Três Experiências”, publicada em maio de 1968 no Jornal do Brasil.
E para que não restasse qualquer dúvida sobre o grau de importância que dava a cada uma de suas “experiências”, a própria Clarice fez questão de esclarecer: “Se tivesse que escolher uma delas, que escolheria? A resposta era simples: eu desistiria da literatura. Nem tem dúvida que como mãe sou mais importante do que como escritora”, disse em outra crônica, “A Entrevista Alegre”, que pode ser encontrada no livro A Descoberta do Mundo.
Para quem talvez imagine uma autora isolada do mundo em seus momentos de criação, nada mais enganoso, como mostram as duas excelentes biografias sobre ela, Clarice: Uma Vida que se Conta, de Nádia Battella Gotlib, e Clarice, Uma Biografia, de Benjamin Moser.
Pedro, o filho mais velho, nascido em Berna, na Suíça, em 10 de setembro de 1948, e Paulo, nascido em Washington, nos Estados Unidos, no dia 10 de fevereiro de 1953, estavam com a mãe o tempo todo, como lembrou o caçula, convidado de honra na série de eventos que o Brazil LAB, da Universidade de Princeton (EUA) organizou para celebrar os 100 anos que Clarice completaria na próxima quinta-feira, 10 de dezembro.
A professora Marília Librandi, autora de Escrever de Ouvido: Clarice Lispector e os Romances da Escuta, escrito em inglês e recém lançado em português no Brasil pela editora Relicário, lembrou que certa vez, falando sobre seu processo de criação, Clarice disse: “Não se faz uma frase, a frase nasce”, o que mostra, segundo a professora, “A união de uma mulher escritora, que é também uma mãe, e uma mãe que é também escritora”.
Librandi também lembrou da famosa foto feita por Cláudia Andujar, em 1961, na qual Clarice aparece sentada no sofá de seu apartamento no Rio de Janeiro, com a máquina de escrever no colo.
“Esse era exatamente o jeito que trabalhava, ela não se isolava para escrever, todos estavam por perto, inclusive as crianças”, lembra Paulo, hoje o guardião da obra da mãe.
“Eu não queria que meus filhos sentissem a mãe-escritora, mulher ocupada, sem tempo para eles. Procurei que isto nunca acontecesse. Eu sentava num sofá, com a máquina de escrever nas pernas e escrevia. Eles, pequenos, podiam me interromper a qualquer momento. E como interrompiam”, contou Clarice a Edilberto Coutinho no livro Criaturas de Papel.
Em seus livros, Benjamin Moser e Nádia Battella Gotlib lembram uma outra situação que dá bem a ideia da importância dos filhos na vida (e obra) de Clarice.
“Paulo, farto de vê-la escrever para adultos, ‘mandou’ que escrevesse uma história para ele sobre seu coelhinho, Joãozinho, publicada mais tarde como O mistério do Coelho Pensante”, conta Moser.
O livro teve sucesso e logo esgotou a primeira edição. “Pode-se afirmar, pois, que foi como mãe que Clarice Lispector ingressou na literatura infantil. E como mãe-escritora solicitada pelo filho”, aponta Gotlib.
Para quem quiser conhecer mais da “mãe-escritora” Clarice Lispector, uma boa oportunidade é ouvir a carta que ela escreveu para Paulo quando ele, aos 16 anos, embarcou para um intercâmbio estudantil nos Estados Unidos, enquanto ela seguia vivendo no Rio de Janeiro.
Na série de homenagens do Brazil LAB, da Universidade de Princeton, foi criada uma biblioteca sonora, Clarice 100 Ears, reunindo artistas, estudiosos e apreciadores de todo o mundo lendo trechos da obra da escritora em diferentes idiomas. Entre eles, Paulo recita a carta que recebeu na primeira metade de 1969.
Nela, Clarice encerra dizendo: “Meu coração te acompanhará sempre e sempre. Deus te abençoe. Tua Mãe”.
Parabéns – e obrigado, Clarice!
*Rodrigo Simon é jornalista, doutorando em teoria e história literária pela Unicamp e pesquisador afiliado ao Brazil LAB da Universidade de Princeton (EUA).
Assista aqui ao show AGORA CLARICE, com Moreno Veloso, Beatriz Azevedo, Jaques Morelenbaum e Marcelo Costa, com participação especial de Maria Bethânia lendo trechos da obra de Clarice Lispector.