Papo de Mãe

Adoção: como se planejar para chegada de um filho que não tem data para “nascer”

Roberta Manreza Publicado em 17/08/2016, às 00h00 - Atualizado às 08h07

Imagem Adoção: como se planejar para chegada de um filho que não tem data para “nascer”
17 de agosto de 2016


Por Ana Luisa da Cunha Bartholo* – Edição: Clarissa Meyer

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E de repente o telefone toca e você vira mãe.

A gente já sabia que seria assim. Afinal, foram anos frequentando reuniões de grupos de apoio à adoção, lendo, pesquisando, conversando com quem já tinha adotado e com pessoas que trabalham com o assunto. É assim mesmo: depois que você está habilitado a adotar uma criança e entra na fila, só resta esperar. Um dia – que pode ser depois anos, como foi no nosso caso – o telefone toca. E aí é a maior correria.

“Mas se ela esperou por anos, por que não conseguiu se preparar, fazer o enxoval com calma? Por que tanta correria?”

No nosso caso, éramos indiferentes ao gênero da criança e a idade podia variar entre zero e dois anos. Então, não dava para fazer o enxoval nem saber que tamanho de fralda nosso (a) filho (a) ia usar. Ou mesmo se precisaria de um berço ou uma cama e quais seriam os brinquedos adequados para sua idade.

Bem, a correria que foi entre conhecermos a Gabriela e a trazermos para casa três semanas depois era esperada. Sabíamos que seria tudo muito intenso, rápido, sem tempo e com fortes emoções. Afinal, desde que fomos conhecê-la no abrigo, nós a visitamos todos os dias até buscá-la definitivamente. Durante mais de vinte dias, meu marido e eu saímos do trabalho para o abrigo e do abrigo para casa. Nos finais de semana, ficávamos horas com ela, e depois, saíamos para comprar os itens de primeira necessidade e buscar os inúmeros presentes e doações que recebemos da nossa rede de amigos e familiares. Um período intenso e cansativo, durante o qual contamos com todos na torcida para que – finalmente – virássemos pais.

Quando a Gabriela chegou, depois de anos frequentando grupos de apoio e trocando experiências, eu me considerava relativamente preparada e ciente dos desafios da adoção. O que eu não esperava era descobrir o quanto nossa sociedade equivocadamente confunde, muitas vezes sem perceber e no piloto automático, maternidade com gestação.

Minha descoberta, na verdade, começou alguns meses antes de o telefone tocar, quando minha chefe e eu, ao começar a planejar minha licença maternidade, nos deparamos com a seguinte pergunta: ‘como conseguir alguém para uma vaga temporária sem oferecer uma previsão de quando a pessoa iria trabalhar?’

“Ah, é a mesma coisa que planejar o afastamento de uma gestante que não tem data certa para sair e precisa ser substituída no trabalho”. Só que não.

No caso da gestante, em geral existe uma previsão da sua saída. Claro que emergências acontecem: pode ser que ela tenha que se afastar de repente para ficar em repouso ou o bebê pode nascer antes do previsto. Ainda assim é possível prever alguma janela de tempo em função das semanas de gestação e do acompanhamento da sua saúde.

Mas veja como foi minha experiência de licença maternidade por adoção. Eu sabia que a chance de meu marido e eu sermos chamados em 2016 era grande, e por isso, logo após a virada do ano, ficou decidido pela minha empresa contratar alguém por meio de uma agência de recrutamento para cobrir algumas das minhas funções durante meu afastamento.

“Oi, tudo bem? Meu nome é Ana Luisa e sou diretora de marketing. Preciso contratar uma pessoa para me substituir parcialmente durante minha licença maternidade. Vocês podem me ajudar?”

“Sim, claro, Ana. Quando é sua previsão de saída?”

“Bem… Eu devo sair em uma data ainda não definida, quase com 100% de certeza em 2016, e com grandes chances de ser entre março e outubro”.

… (silêncio do outro lado da linha).

Essa conversa aconteceu mesmo. Pela primeira aquela agência lidaria com o desafio de contratar uma pessoa sem previsão de data para começar. Os tempos de crises ajudavam, afinal havia muita gente boa sem trabalho e disposta a flexibilizar suas exigências, mas a empreitada não era fácil. O resultado foi que a empresa precisou rever sua metodologia e criar um novo processo de contratação para atender ao meu caso.

Voltando ao caso da gestante: é possível prever que ela não poderá mais viajar de avião aproximadamente após o 6º mês de gravidez. Já para mim, mesmo sabendo que seriam altas as chances de minha vez chegar em 2016, não era possível afirmar quando eu seria afastada, de modo que minhas viagens profissionais de todo o primeiro semestre, inclusive internacionais, foram programadas, tendo as passagens que ser canceladas mais tarde, sem que a empresa pudesse ser reembolsada.

E não é só no âmbito profissional que os procedimentos e informações são definidos no automático ‘maternidade = gestação’. Em muitos casos, assume-se abertamente que a única maneira de se ter filhos é tendo dado-os à luz, como pude perceber ao responder à seguinte pergunta de um questionário para fazer uma ultrassonografia em um laboratório:

Tem filhos?        (X ) Sim. Quantos? 1                      (   ) Não.

Lá fui eu, toda orgulhosa, pela primeira vez, marcando ‘sim’. Cena seguinte: a médica, antes de me examinar, pergunta: “Vi que você tem um filho… Seu parto foi normal ou cesárea?”.

Sem perder o bom humor, respondi: “Doutora, minha filha foi adotada. Acho que o questionário está mal formulado…”

Isso sem falar na expressão de surpresa de muitas pessoas quando descobrem que mães por adoção também têm direito à licença maternidade: “Puxa, que bom, adoção também dá direito?!…”

OK, a extensão da licença à mãe adotante é relativamente nova, de 2002, mas conceitualmente a licença é maternidade e não licença-gestação ou licença-parto. Os pais por adoção precisam MUITO oferecer tempo e disponibilidade para que o vínculo com seu filho, até então inexistente, seja formado. Aliás, independente da idade, qualquer criança adotiva sofreu rupturas e pode ter um lapso emocional que precisa ser cuidado. Não consigo imaginar como seria se eu não pudesse passar esses primeiros meses em função da Gabriela, não apenas a conhecendo e às suas necessidades, como também me descobrindo no novo papel. Tenho certeza que o desenvolvimento incrivelmente acelerado que ela apresenta desde que está conosco, há pouco mais de três meses, tem muito a ver com a segurança que minha presença constante pôde proporcionar.

A boa notícia é que, com flexibilidade e tranquilidade, mas sem deixar de colocar o cenário “desconhecido” para o outro, de maneira geral as coisas se resolvem. Foi assim que tanto para a ficha do pediatra quanto para a matrícula na escola, explicamos o caso e pedimos que Gabriela fosse chamada pelo nome que tem desde que está conosco e que é diferente do da sua documentação, até termos sua guarda definitiva, o que deve acontecer nos próximos meses.

Sei que ainda está só começando e que ainda vou me deparar com outros exemplos como esses, afinal sou mãe há pouco mais de três meses. Mas achei importante levantar a discussão sobre adoção também ser uma forma de maternidade. Que bom que ela existe e que permite não apenas que mulheres como eu possam realizar seu sonho de ser mães, como também proporciona um futuro para crianças e adolescentes que não têm chance em suas famílias biológicas.

Obrigada à equipe do Papo de Mãe por me ajudar nessa empreitada!

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*Ana Luisa da Cunha Bartholo é administradora de empresas e autora do livro “Essência – um preço alto e o caminho de volta”. Participou do Papo de Mãe “Tentantes”. Contato:  https://www.facebook.com/EssenciaAnaCunha/

Assista ao Papo de Mãe com a participação da Ana Luisa:

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