Devemos ficar atentos para que os aprendizados na escola sejam plurais e transcendam o currículo. Entrevista com Silvia Lima, do Instituto Ayrton Senna
Raphael Preto Pereira* Publicado em 30/08/2021, às 15h32
Para que serve a escola? O aprendizado acontece apenas pelo currículo e a única coisa que tem importância real são as disciplinas dele? A resposta é não. A experiência de estar na escola carrega uma série de experiências que vão além do ensino formal. As habilidades socioemocionais têm a ver com as capacidades de socialização e são voltadas ao desenvolvimento pleno dos estudantes.
Nesta entrevista, a especialista em formação do Instituto Ayrton Senna, Silvia Lima, fala um pouco mais sobre o tema.
RPP: Qual a importância das competências socioemocionais no contexto atual?
SL: Competências socioemocionais são definidas como as capacidades individuais que se manifestam de modo consistente em padrões de pensamentos, sentimentos e comportamentos, favorecendo o desenvolvimento pleno dos estudantes e expandindo as oportunidades de aprendizagem escolar. A partir dessa definição fica claro, respondendo mais diretamente a pergunta, que elas são importantes para a aprendizagem, formação e o desenvolvimento integral dos estudantes nos diferentes âmbitos de sua vida (pessoal, social, acadêmico, profissional, entre outros), visto que elas ajudam crianças, adolescentes e jovens a se relacionarem melhor com seus professores, colegas de escolas e família.
Além disso, com as competências socioemocionais os estudantes conseguem ser mais organizados e atingir seus objetivos de vida.
Por isso, é fundamental que pais, responsáveis e professores estejam atentos e possam de forma intencional dar oportunidade, estimular e contribuir com o desenvolvimento de competências como organização, assertividade, respeito, tolerância ao estresse, autoconfiança, curiosidade para aprender, entre outras. Por que assim no seu cotidiano, em casa ou na escola, e em contextos desafiadores como o que estamos vivendo atualmente eles terão mais recursos para seguirem aprendendo, mesmo de forma remota, ou seja, entender a importância e conseguir organizar sua rotina de estudo mesmo não estando na escola e se responsabilizando por isso, sentar para estudar mantendo o foco para realização das atividades propostas, persistindo na realização de tarefas, ao invés de procrastinar ou desistir quando as coisas ficam difíceis ou desconfortáveis.
Diversas pesquisas já mostram que, além de serem importantes para o projeto de vida e sucesso futuro dos estudantes, as competências socioemocionais também possuem impacto positivo sobre o próprio aprendizado cognitivo. Por exemplo, um estudo recentemente divulgado pelo Instituto Ayrton Senna em parceria com a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, feito com 110 mil estudantes da rede pública, permitiu entender esse impacto, ao mostrar que o grupo de estudantes que se autorrelatam como pouco desenvolvidos em Abertura ao Novo teriam um ganho de 5,5 meses de aprendizagem em Língua Portuguesa se pudessem caminhar para o grupo dos que se relatam como muito desenvolvidos. Em Matemática, a competência que se mostrou mais relevante é Autogestão e, da mesma forma, caminhar com o estudante do pouco desenvolvido para o muito desenvolvido representa um ganho de 3,5 meses de aprendizagem. Por isso, acreditamos ser necessário e urgente em nosso país um modelo de educação que forma cidadãos para os desafios do mundo que vivemos especialmente hoje.
RPP: Como identificar os postos-chave para o desenvolvimento das competências socioemocionais em cada um dos estudantes?
SL: Para responder essa pergunta se faz necessário considerar várias questões, porém o que as evidências mostram é que para contribuir com o desenvolvimento de competências socioemocionais, tendo as crianças, adolescentes, jovens como parceiros e corresponsáveis é fundamental que como pais, responsáveis e/ou educadores possam estar abertos e/ou oportunizar espaços de escuta, troca e composição com os mesmos de modo que possam compartilhar conosco os seus medos, anseios, diferentes pontos de vistas, crenças, valores, atitudes, sonhos e que a partir daí possamos ajudá-los a identificar o que eles já sabem, não sabem, que competências socioemocionais já tem desenvolvidas, precisam desenvolver ou aprimorar e como.
Aqui se faz necessário exercitarmos a escuta ativa empática que diz respeito à capacidade de se conectar e se colocar no lugar do seu interlocutor, buscando um envolvimento verdadeiro com o que ele diz, suas necessidades e sentimentos. Nesse processo, é primordial ouvir com a mente aberta sem pensar em outras coisas ou preparar uma resposta. Envolve assumir uma postura de apoio e sem julgamentos.
RPP: Como a tecnologia modifica o aprendizado e a concepção das competências socioemocionais?
SL: A tecnologia sempre teve o poder de contribuir com o aprendizado, apesar de poucos educadores se valerem dela de forma efetiva como recurso pedagógico; porém, com a pandemia, esse cenário mudou e a formação mediada por tecnologia se tornou a principal aliada das escolas no ensino à distância e/ou híbrido, caminho esse que não tem mais volta!
Nas conversas e formações realizadas com vários educadores do Brasil nós do Instituto pudemos ter contato com práticas pedagógicas muito exitosas em que os professores, fazendo o uso das redes sociais (Facebook, Instagram e WhatsApp) e de recursos como videoaulas, podcast, jogos, quiz, conseguiram estar com os estudantes, ensinar, fomentar o estudo e trocas entre eles, estimular o estudo e a pesquisa de forma mais autônoma, desenvolvendo um trabalho intencional com foco na aprendizagem, formação e o desenvolvimento das competências cognitivas e socioemocionais.
Vale ressaltar que as redes de ensino e profissionais de educação, em especial os professores, buscaram formas de “não deixar nenhum estudante para trás” pensando em alternativas para disponibilizar materiais, dialogar com as familiares e orientar mesmo os estudantes com difícil ou nenhum acesso à tecnologia.
O interessante agora é pensar como a tecnologia pode coexistir com a escola na reinvenção que se fará após o retorno do isolamento social, algo que tende a acontecer em breve. Afinal, já sabemos que é preciso repensar o modelo de educação para lidar com os desafios atuais, e isso não acontece em uma aula engessada, naquele formato previsível de 50 minutos de ocupação regrada do espaço, por exemplo. Entendemos que se faz necessário seguir promovendo outros modelos de educação e experimentar outros modos de ensinar e aprender.
RPP: Qual a importância da escola neste processo?
SL: Entendemos que a escola é muito mais do que um espaço físico onde se aprende. É um espaço de socialização, de convivência, de construção de grupos e de identidades e por esses motivos ela pode e deve cumprir o seu papel social de contribuir com a formação e desenvolvimento integral de crianças, adolescentes e jovens, valendo-se do que lhe é peculiar e mais precioso, e que a diferencia da família, que é fazer uso de práticas e ferramentas pedagógicas e de metodologias ativas para que isso aconteça.
Tal qual os pais e/ou responsáveis a escola deve contribuir com o desenvolvimento das competências socioemocionais e para isso os professores atuando como mediadores em suas aulas podem dispor de estratégias como as perguntas problematizadoras, pesquisas, debates e pesquisas.
* Raphael Preto Pereira é jornalista e repórter do Papo de Mãe.