Papo de Mãe
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Nasce um bebê, nasce uma mãe? Que nada!

"Você sabe o que é 'exterocriação'? Não? Inventei agora", diz o pediatra Moises Chencinski que fala sobre cobranças após o parto

Dr. MOISES CHENCINSKI* Publicado em 20/01/2022, às 09h40

“Nasce um bebê, nasce uma mãe”. Quantas vezes você ouviu essa frase?
“Nasce um bebê, nasce uma mãe”. Quantas vezes você ouviu essa frase?

Hoje é o primeiro dia do resto da sua vida. E se isso não funcionar para você, amanhã será o primeiro dia do resto de sua vida – frase atribuída a Bob Saget, comediante e ator.

E assim poderia caminhar a "humãenidade". Só que não. Queremos tudo “certo”, agora, na sua plenitude, antes de todos... E se a sociedade não cobra (mas ela cobra quase sempre), a própria mãe, muitas vezes por questões culturais, sociais, econômicas, familiares, existenciais, se cobra.

Nasce um bebê, nasce uma mãe”.

Quantas vezes você ouviu essa frase? Quantas vezes eu mesmo disse essa frase. A ideia é até interessante. É não cobrar. É tentar tirar o peso da necessidade do “saber tudo”, do “ter que” tudo, justificando que uma mulher só “vira uma mãe” após o parto, quando nasce sua cria.

Nenhuma mãe está pronta e não é obrigada a nada, até a hora que nasce seu bebê. Nem o bebê e nem a mãe estão prontos após o parto.

Assista ao Papo de Mãe sobre nasce uma mãe, nasce a culpa? 

Pausa para o dicionário

  • Nascer: Começar a ter vida exterior; vir ao mundo. Chegar ao mundo com qualidades ou talentos específicos.
  • Mãe: Mulher que deu à luz um ou mais filhos e os cria ou criou. Pessoa generosa e bondosa que dispensa cuidados maternais, que protege muito aos outros. Ser uma mãe (FIG, COLOQ): ajudar a facilitar a vida de outras pessoas, prestando-lhes favores e assistência (quanta responsabilidade).
  • Filha/o: Descendente, masculino ou feminino, de uma família.
  • Cria: Animal de mama, ou que está no período de criação. Filho ou filha ainda pequeno ou jovem; criança.

Então, tecnicamente, “Nasce um bebê, nasce uma mãe”.

Mas será que é só isso? Assim?

Olha, vou te passar minha impressão. A de quem é pediatra há 42 anos e convive diariamente com famílias:

Isso pode valer no conceito, no dicionário, mas é quase fake news.

Tanto mãe, quanto bebê podem, e costumam, levar um tempo a mais para “nascer” ou “existir” depois do parto. Não se cobre. Se não for hoje, pode ser amanhã.

Exterogestação

Já ouviu falar disso? “Gestação” fora do útero. Como assim?

Esse é um conceito que foi criado em 1961, por Ashley Montagu, um antropólogo, e inicialmente difundido pelo pediatra Harvey Karp. Após observação, ele concluiu que a gravidez não dura apenas os 9 meses que acontecem dentro do útero e sim 12 meses. Esse último trimestre acontece fora da barriga da mãe, dando um prazo maior de adaptação para o bebê, em um ambiente totalmente diferente, com uma dependência total dos adultos para viver as novidades para as quais não houve “quase” nenhuma preparação dentro do útero.

Por que “quase”? Algumas poucas referências são conhecidas. O batimento cardíaco da mãe, o ruído do intestino dela, e a voz, ah, aquela voz, que foi o fundo musical do “filme” chamado gravidez. Tá explicado por que o bebê parece que “só quer o colo da mãe”? Parece? Não. É assim. Só pode ser assim. A cria só quer se sentir segura. E onde isso pode acontecer melhor do que no colo da mãe?

O bebê não nasce pronto e precisa de um tempo para ... aprender a viver por si. Na real, 3 meses não são exatamente suficientes para essa transição que vai ocorrer dia após dia (e noite após noite, né?). Mas já é um bom começo.

Mas, se o bebê precisa de um tempo para se ajustar à sua nova realidade, qual a razão lógica que não dá esse mesmo direito às mães? Afinal, ela também passará por muitas mudanças e, mesmo não tendo uma dependência total de um outro adulto, uma rede de apoio é sempre muito bem-vinda especialmente nessa fase.

O tempo terá um novo significado. Sua cria será o seu novo sentido. Esse bebê, que não tinha uma aparência, uma voz, que era só uma esperança, agora está ali, em sua frente, ao alcance de suas mãos, de seus olhos, de sua alma.

Mas ela está pronta? Mesmo que já tenha passado por essa experiência outras vezes, cada cria é nova. É uma criação diferente. Mesmo em gêmeos, ela vai saber ver as diferenças, ela vai conhecer as particularidades. Mas as referências que ela traz desse ser são os batimentos cardíacos, os movimentos, de quando seu útero estava preenchido por toda essa vida em formação.

Veja também: 

Tá explicado por que a mãe parece que quer seu bebê o tempo todo em seu colo? Parece? Não. A mãe só quer se sentir segura e dar segurança. E onde isso pode acontecer melhor do que no colo dessa mãe? Colo é bom. Colo é necessário.

Então precisamos dar vida, tempo e espaço para essa nova mulher. Ela também tem direito à sua “exterogestação”. Sua “exterocriação” (cria fora do útero). E não precisa saber tudo agora. Não merece ter que ser tudo agora. Tempo. Sem cobranças. Ela chega lá.

E se não for hoje... pode ser amanhã... ou depois... no seu tempo.

*Dr.  Moises Chencinski , pediatra e homeopata.

Membro do Departamento Científico de Aleitamento Materno da Sociedade Brasileira de Pediatria (2016 / 2019 – 2019 / 2021).
Autor dos livros HOMEOPATIA mais simples que parece, GERAR E NASCER um canto de amor e aconchego, É MAMÍFERO QUE FALA, NÉ? e Dicionário Amamentês-Português
Editor do Blog Pediatra Orienta da Sociedade de Pediatria de São Paulo.

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