O ator e escritor Vinicius Campos analisa a empatia, quando você se coloca no lugar do outro, inclusive na hora de criarmos nossos filhos
Vinicius Campos* Publicado em 15/10/2021, às 08h53
Ontem, no final da tarde, saí para caminhar por Buenos Aires. Uma das coisas que mais gosto de morar aqui é o fato de ser uma cidade plana, então quando estou envolvido em algum processo criativo, caminho por um bom tempo, e enquanto assisto ao movimento da cidade, meus pensamentos se organizam e ao voltar para casa me sento no computador e coloco nos meus arquivos tudo aquilo que minha cabeça criou.
Assim que saí pra caminhar começou uma ventania. E as pessoas começaram a acelerar o passo. De repente escutei uma criança chorando e olhei para trás buscando o som. Vi uma mãe com um carrinho de bebê. O filho estava lá dentro, protegido por um plástico que evitava que o vento o incomodasse e que as folhas e poeira, que caíam das árvores, o atingissem. Logo que os olhei, me arrependi. Sei que muita mãe se sente incômoda ao ser olhada quando os filhos choram, e com razão.
Continuei minha caminhada. Eles vinham na mesma direção que eu, e então continuei escutando o choro por mais alguns metros. Num momento me perguntei: Por que essa criança chora tanto? O que essa mãe está fazendo para conter esse choro? Pensei no meu curso de pedagogia. Decidi olhar e acompanhar a cena, talvez houvesse naquela situação algum aprendizado. Comecei a observá-los e o que vi foi o seguinte:
A mãe, querendo escapar do vento, acelerou o passo e empurrou o carrinho com a maior velocidade que pôde. Então o veículo ia sacolejando pelas calçadas desniveladas. Ela inclusive atravessou a rua, e passou com as rodas do carrinho pela sarjeta. Claro, ela tinha um objetivo, escapar do vento e de uma possível chuva que se aproximava. Natural, né? Que pessoa não corre da chuva?
Foi então que pensei no bebê. Imagina você estar deitado num carrinho, todo fechado com plástico, sem ver o que está acontecendo do lado de fora, e que alguém empurre esse veículo com toda a força possível, e que pela qualidade do solo você seja sacolejado? Deve ser pior que montanha-russa, pior que turbulência de avião. O bebê devia estar em pânico, por isso o choro.
Voltei para casa pensando quantas vezes assustamos os nossos pequenos simplesmente por não nos colocar em seu lugar. Já falei aqui sobre o adultocentrismo, que é enxergar o mundo através dos olhos dos adultos. E esse conceito pode ser mais conceitual, ou prático, como a decisão desta mãe de correr para casa ignorando o medo que o bebê deveria estar sentindo.
Quando falamos em empatia, em nos colocar no lugar dos outros, serve muito e deveria ser aplicado aos nossos pequenos. Porque eles acabam sofrendo sem necessidade. Num momento assim, o que seria correto fazer? Ir devagar, aguentar o vento e quem sabe a chuva, mas garantir ao bebê um passeio tranquilo? Parar num café ou num toldinho, pegá-lo no colo e mostrar que estava tudo bem?
Não sei qual a resposta correta, mas qualquer que seja a decisão ela só deveria ser tomada a partir do olhar do bebê, porque talvez essa mãe (que estava tentando fazer o melhor pelo seu filho) por não ter parado um segundo e pensado como seu filho se sentia, acabou gerando ao pequeno um sofrimento desnecessário, somente para fugir do vento que a incomodava.
Parece bobagem, mi-mi-mi, mas é mais conhecida como Pedagogia dos Detalhes. Ninguém me ensinou isso na vida, falhei incontáveis vezes com os meus filhos, com sobrinhos, com crianças em geral. Não somos educados para nos colocar no lugar das crianças. Porém depois que comecei a fazer o curso de pedagogia não consigo pensar e enxergar a educação de outro modo. Para que possamos dar aos nossos pequenos mais qualidade de vida, precisamos, por um instante pelo menos, nos colocar em suas peles e tentar entender o mundo através de suas perspectivas. Pode ter certeza que o caminho será muito mais amoroso e gostoso de se atravessar para eles, e para nós também.