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Os desafios da ressocialização após isolamento

Ainda será um processo longo e demorado de readaptação à vida após isolamento

Miriam Brito Guimarães* Publicado em 02/11/2021, às 07h00

Crianças estão voltando a se socializar
Crianças estão voltando a se socializar

Muito se fala sobre a saúde mental dos jovens e das crianças por conta de um isolamento tão duro imposto prematuramente a todos durante um ano e meio. Neste retorno gradativo que vivemos durante o ano de 2021, algumas situações inesperadas se colocaram escancaradas diante de nós, professores, que tivemos nossos desafios multiplicados.

Por serem mais novos, os estudantes estão em constante aprendizado e, no convívio, vão se adaptando às novas fases de vida, junto aos colegas. Mas esse processo foi interrompido com o isolamento. O que quero dizer é que, com mais de um ano em casa convivendo apenas com seus parentes, a socialização ficou comprometida, pois acabaram se desapegando de combinados e regras que eram tão comuns quanto automáticas na situação escolar. Crianças e jovens deixaram de lidar com o contexto de grupo, de esperar sua vez, de negociar suas necessidades e desejos. No cotidiano da sala de aula, isso gera novas situações que requerem olhar atento das equipes pedagógicas. Nunca as habilidades socioemocionais foram tão importantes no contexto escolar. Da mesma forma, a escola vive, hoje, o ápice de seu papel de formação de pessoas para o mundo.

Percebemos que as crianças e até mesmo os mais velhos se distanciaram de noções de vivência em grupo. Quando estão em casa, no papel de filhos, eles vivem dentro de regras da família, convivendo com poucas pessoas, dentro de valores que são comuns a todos. Têm seu espaço e a atenção dos pais. Na escola, é preciso esperar sua vez para ser ouvido, lidar com diferenças e fazer acordos. Este treino cotidiano foi perdido na pandemia e, agora, com o retorno, precisam reaprender a fazer isso.

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Para dar um exemplo, podemos pensar em como andar de bicicleta: aprende-se com algum esforço, leva-se um tempo para firmar e segue-se, então, pedalando sem maiores transtornos. Mas, e se o sujeito, que levou alguns meses para aprender, deixa de pedalar por um ano? Dois anos? Há alguns movimentos que vão requerer, sim, um empenho maior, um reaprendizado. É da mesma maneira com a socialização entre os pares.

Além disso, nesse retorno há também a questão do uso excessivo de telas. Crianças e jovens que ficaram tanto tempo fechados tinham como distração principal a televisão, jogos eletrônicos e as redes sociais nos celulares. Esse hábito, que ajudou as famílias naquele momento, está desafiando o cotidiano escolar. Estamos lutando para fazer com que os estudantes deixem seus equipamentos e voltem a interagir nos recreios. Não tem sido fácil.

Todas estas questões de readaptação trouxeram novos conflitos entre alunos e também percebemos mais resistência ao cotidiano presencial. Não dá para simplesmente prosseguir com as aulas sem considerar as necessidades deles neste momento. Por isso, ações precisam ser pensadas para recompor os laços sociais que foram desfeitos.

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Professores precisam fazer novos combinados, como se estivéssemos no início das aulas. Há também que se ter mais paciência nos momentos difíceis para que eles se adaptem. Enfim, devemos priorizar o diálogo, a escuta acolhedora e, junto com os alunos, fazer muita reflexão para que nossos estudantes voltem ao convívio escolar animado que todos desejamos.

*Miriam Brito Guimarães é supervisora do Programa Socioemocional do colégio Dante Alighieri (cargo que acumula com o de coordenadora com o departamento de Ciências). Tem bacharelado em Biologia e Mestrado em Psicologia da Educação na USP. É co-fundadora da Associação pela Saude Emocional da Criança (Asec) em 2004, onde, como coordenadora de formação de professores, formou mais de seis mil professores brasileiros para atuarem na área socioemocional. Atualmente a Associação trabalha para que as instituições de educação tenham um programa todo integrado desde o Ensino Infantil até o Ensino Médio. As ações necessariamente devem envolver professores, alunos, funcionários e pais.

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