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Os reflexos da pandemia na saúde mental das mães e os riscos do abuso do álcool

Neste artigo, Erica Siu, vice-presidente do CISA (Centro de Informações sobre Saúde e Álcool) fala sobre o risco do abuso de álcool para lidar com a sobrecarga que as mães estão enfrentando

Erica Siu* Publicado em 21/04/2021, às 00h00 - Atualizado às 10h11

A sobrecarga materna pode prejudicar a saúde e os relacionamentos
A sobrecarga materna pode prejudicar a saúde e os relacionamentos

Ser mãe nunca foi fácil, convenhamos. Mas a pandemia de COVID-19 tem nos sobrecarregado de tantas maneiras que ser mãe agora tem exigido ainda mais: mais paciência, mais flexibilidade, mais atenção e mais acolhimento. Passado pouco mais de um ano de seu início no Brasil, dados científicos já mostram que o impacto sobre a saúde mental das mães requer um olhar cuidadoso. No município de Rio Grande (RS), uma pesquisa com 591 mães mostrou um aumento de depressão de quase 10 vezes (de 3,1% antes da pandemia, em 2019, para 30,6% no segundo semestre de 2020) e aumento de três vezes na ansiedade (de 9,6% para 28,8%, no mesmo período- Brazilian J Psychiatry).

Esta nova realidade tem afetado as mães de maneira mais relevante não somente pelo fato de as mulheres frequentemente absorverem maior carga de trabalho doméstico, mas também no cuidado dos filhos que, em boa parte do tempo, foram afastados do ambiente escolar presencial. Ainda é preciso destacar as “novas mães”, tanto gestantes como as puérperas, que enfrentam além das questões próprias da vinda de um filho, as incertezas decorrentes da pandemia.

A pergunta que resta é: como lidar ou equilibrar tantas funções de forma praticamente ininterrupta? Infelizmente, não tenho uma resposta ou solução mágica para isso. Aquelas preciosas dicas “viver um dia de cada vez”, “respirar fundo”, “acalmar-se” e “pensar que isso vai passar” ainda valem. Nem sempre elas funcionam e, nesses casos, utilizar outras ferramentas e formas de apoio é fundamental. Ocorre que, seja por hábito ou até por parecer mais fácil, algumas pessoas equivocadamente recorrem ao álcool como maneira de lidar com o estresse ou com esses sentimentos negativos que surgem desenfreados.

Veja também:

O aumento do consumo de álcool na pandemia

Duas taças com bebidas alcoólicas
Bebidas podem piorar quadros de depressão e ansiedade

Se no início da pandemia existia uma preocupação sobre um possível aumento do consumo de álcool, hoje isso tem sido observado em uma parcela dos adultos, especialmente entre aqueles com mais sintomas de tristeza e ansiedade: 24% dos entrevistados que relatam tais sintomas com maior frequência também afirmaram ter elevado o uso de bebidas alcoólicas.  (pesquisa Fiocruz).  Ainda, resultados preliminares de pesquisa canadense apontaram aumento considerável de uso de álcool entre mães de crianças de 0 a 8 anos: quase 40% das entrevistadas disseram ter consumido mais álcool, maconha ou outra droga em abril de 2020 e o consumo de substâncias para lidar com a ansiedade foi um fator de risco para um uso aumentado durante a pandemia.

Estes dados são certamente preocupantes. É quase uma “tempestade perfeita” se formando: aumento do consumo abusivo entre mulheres nos últimos anos somado à sobrecarga durante a pandemia, com elevação de sintomas de ansiedade e depressão e uso de álcool para lidar com esses sintomas. Cabe aqui ressaltar que as mulheres são biologicamente mais vulneráveis aos efeitos do álcool, podendo ter problemas decorrentes do uso dessa substância a partir de níveis de consumo mais baixos e/ou em idade mais precoce. Além do ponto de vista da saúde, é preciso refletirmos e prevenirmos o impacto desse consumo aumentado de álcool sobre o cuidado com os filhos ou até mesmo como a percepção normativa desse hábito pode influenciar os filhos. Neste ponto, cuidar do seu consumo de álcool também é um ato de amor.

O que fazer?

Mais do que nunca, a saúde mental deve ser priorizada. Faz parte disso alimentar-se adequadamente, seguir uma rotina com pontos de flexibilidade, praticar exercícios físicos (lembre-se que alguma atividade é melhor do que nenhuma – mesmo uma caminhada leve conta pontos!), e manter regularidade no sono. Saiba que é absolutamente normal sentir-se triste, estressado ou com medo neste momento – e conversar com pessoas em quem confia (amigos e familiares) pode trazer o conforto e acolhimento para aliviar esses sentimentos negativos.

É também importante buscar ajuda profissional se perceber que não tem conseguido lidar com esse turbilhão de sentimentos ou se o uso de álcool tem impactado sua vida. O acesso ao diagnóstico e tratamento de transtornos mentais e por uso de álcool tem sido mais desafiador, mas felizmente os avanços em telemedicina têm contribuído muito. Além disso, grupos de ajuda mútua como os Alcoólicos Anônimos e diversos grupos de apoio materno têm funcionado de forma remota. Vale sempre, mas agora mais ainda, nos acolhermos mais e fortalecermos nossas redes de apoio. Ser mãe nunca foi fácil, mas a solidariedade materna sempre se faz presente.

*Erica Siu é vice-presidente executiva do CISA – Centro de Informações sobre Saúde e Álcool

Assista à entrevista com psiquiatra Rodrigo Bressan, do Instituto Ame Sua Mente, sobre saúde mental durante a pandemia:

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