8 de novembro de 2011
A infinita magia de se enxergar na figura de um filho. É esta, para mim, a vida eterna em sua forma mais simples: a descendência |
José Ruy Gandra |
Tive um almoço tocante semanas atrás. Com Paulo e Pedro, meu dois filhos. Não é muito fácil reuni-los. Mães e casas diferentes, a correria insana destes tempos, os congestionamentos pelo caminho, a preguiça… O fato é que eles se vêem pouco. Mas, sempre que se encontram, uma luzinha se acende. São irmãos, sabem disso. Compartilham, no mínimo, alguns bons mililitros de meu rude sangue calabrês. E, estou certo, alguns trechos das espirais de meu DNA. Os dois fazem sua parte no silencioso e fascinante esforço das espécies para arremessar seus genes adiante. Um jogo cujo tabuleiro é um caleidoscópio de traços, temperamentos e atitudes, que se revelam e combinam-se das formas mais variadas. Filhos são pedaços de nós em outras faces. Os olhos de Paulo, por exemplo, azuis feito uma piscina ao sol, são iguaizinhos aos de meu pai. Os de Pedro, esverdeados, reproduzem os meus e de minha mãe. Há muita gente nos dois. Falam como certos primos. Gostam de comer o mesmo que um tio. Têm modos e reações idênticas a um avô ou avó. É tocante ver esses vestígios de nós mesmos estampados nos filhos. É esta, para mim, a vida eterna em sua forma mais simples: a descendência. Um grãozinho de nós que o vento carrega sabe-se lá pra onde. Passei o almoço inteiro saboreando essas semelhanças. Paulo já chegou dando mostras de ter herdado meu juvenil descaso pelos compromissos. ‘Pô, feliz ano novo, pai!’ Eu não o via desde antes do Natal e de sua instintiva migração anual em busca do verão baiano. Trouxe a tiracolo Adelita, um favo de mel com quem quase se casou e, quem sabe, um dia se casará. Paulo está criado. Já singra o rio da vida em sua própria canoinha. Trabalha, tem seu próprio negócio e, não duvido nada, deve ganhar mais dinheiro que eu. Já há alguns anos não me pede um tostão. Separados pela comida árabe, pela primeira vez na vida vi, com absoluta clareza, o quanto eles se amam. Pedro lança sobre Paulo olhares que beiram a idolatria. Paulo os devolve com uma doçura infinita. É confortante saber que os dois, mesmo se vendo pouco, vivem dando mostras recíprocas de amor. Torço loucamente para que a vida os aproxime sempre mais. Me entristece imaginar que meus pobres genes sigam seu curso sem muito contato. Que esse amor, que perfumou aquele almoço tão especial, possa se dissolver em telefonemas ocasionais ou nem isso. Tomara que não. Algo (provavelmente a minha vontade) me diz que, com os anos, eles ficarão cada vez mais chapas. Gosto de imaginá-los, daqui a duas décadas, sentados juntos numa mesa como aquela. Quem sabe trocando idéias profissionais. Talvez acompanhados de seus filhos. Minha suprema aspiração é que, num almoço desses qualquer, Paulo ou Pedro aponte um de meus netos e diga coisas como: ‘Tá vendo? É teimoso que nem o avô’. O paterno, evidentemente.
*José Ruy Gandra é jornalista, pai de 2 filhos e autor do livro “Coração de Pai”. Participou como convidado do Papo de Mãe exibido no dia 06.11.2011. Fonte:
Revista Crescer