Problemas auditivos podem acontecer em todas as fases da vida, desde o ventre materno, neonatal, infância até a idade adulta
Mariana Guedes* Publicado em 12/11/2021, às 08h06
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), 15 milhões de brasileiros sofrem com problemas auditivos. Apenas 40% reconhecem o problema. A metade dos casos poderia ser prevenida e os efeitos minimizados se a intervenção fosse feita precocemente.
Para a fonoaudióloga Mariana Guedes é possível identificar fatores de risco ainda na fase de gestação, por meio de exames no pré-natal. “Alguns tipos de doenças ou infecções adquiridas na gestação, síndromes e genética familiar estão listados como fatores que podem estar ligado à perda auditiva.”, explica a especialista.
O Teste da Orelhinha, oferecido gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), deve ser feito no bebê ao nascimento e é obrigatório por lei. É realizado durante o sono, de forma não invasiva, indolor e avalia as respostas do ouvido a alguns sons, permitindo detectar precocemente algum grau de surdez.
Caso o recém-nascido apresente alguma alteração nesse teste, deve-se então complementar a triagem realizando novamente as Emissões Otoacústicas e proceder com o diagnóstico completo a fim de confirmar a suspeita e determinar, o quanto antes, o tipo e o grau da perda auditiva. Fazem parte dessa bateria, após a inspeção do ouvido por um médico especialista, os exames de Imitanciometria e o PEATE (Potencial Evocado Auditivo do Tronco Encefálico) também conhecido como “BERA”, que avalia outras partes do sistema auditivo. A presença de perda auditiva, que pode acontecer devido à lesão na cóclea, no sistema de condução do som ou no tronco encefálico é determinada pela análise conjunta destes exames, que os profissionais chamam de cross-check.
Em muitos casos, pode ser recomendado o uso do aparelho auditivo ou do implante coclear (dispositivo implantável de alta complexidade tecnológica, que é utilizado para restaurar a função da audição). E mesmo depois das adaptações destes equipamentos, será necessário o acompanhamento de um fonoaudiólogo para que a criança adquira a linguagem e desenvolva suas competências linguísticas de modo semelhante aos seus pares ouvintes.
“Em primeiro lugar, sempre orientamos que as crianças que apresentaram algum tipo de falha no teste da orelhinha não faltem aos retornos e que os pais procedam com o diagnóstico completo e correto o quanto antes. Alguns sinais também podem soar como alerta para os pais durante o desenvolvimento do bebê. Dentre eles, destaco bebês que não vocalizam ou balbuciam, não se acalmam ao escutar a voz da mãe ou do cuidador, não procuram o som quando chamados pelo nome ou não demonstram estranhamento ou susto ao ouvir alguém bater palmas alto ou bater uma porta de casa, por exemplo. Com um ano de idade espera-se que o bebê já seja capaz de imitar alguns sons, reduplicar sílabas e iniciar uma tentativa de fala mais aproximada das palavras reais. Aos dois anos, esperamos que a criança já use frases com 2 a 3 palavrinhas, compreenda ordens e reconheça canções. Para aqueles em idade mais avançada, por volta dos 5 anos, precisamos ficar atentos e observar se a criança fala alto, vê televisão com volume elevado, apresenta dificuldade de concentração, pergunta muitas vezes “o quê?” ou apresenta trocas de letras na fala. Tudo isso pode ser sinal de alguma dificuldade na audição”, explica Mariana.
Otites frequentes também precisam ser investigadas e avaliadas com especialistas. Por isso, consideramos necessárias as consultas de rotina com pediatras e otorrinos. “É importante que o profissional oriente a família e encaminhe para um especialista a qualquer suspeita de problemas dessa natureza. Somente assim, é possível diagnosticar e tratar a tempo.”, finaliza Mariana.
Não necessariamente... O melhor aparelho auditivo é aquele corretamente selecionado e adaptado ao seu tipo, grau e configuração de perda auditiva e ao seu estilo de vida e necessidades auditivas. Obviamente a tecnologia evoluiu muito ao longo dos anos e os dispositivos de tecnologia auditiva também. Hoje temos excelente modelos disponíveis no mercado, de diversas marcas e distribuidores no setor privado e no SUS.
Sabe aquela história de ganhar uma Ferrari, mas não saber dirigir? Podemos usar este exemplo aqui também. Tudo no aparelho auditivo precisa estar personalizado e bem indicado, desde o molde que segura o aparelho na orelha até a potência escolhida e os algoritmos programados. Para isso é fundamental que a população saiba que existem protocolos internacionais sugeridos e que devem ser cumpridos pelo profissional para garantir a boa adaptação. Hoje em dia não se testa mais aparelho perguntando ao indivíduo: “O som está bom? Minha voz está alta? Quer que eu abaixe um pouco?”.
Existem medidas objetivas para verificar todo o funcionamento do sistema e checar se a saída do aparelho dentro do ouvido está realmente de acordo com a prescrição estabelecida. São os testes chamados de medidas com microfone sonda, também conhecidos como mapeamento de fala. Além disso, o profissional deve ter a obrigação ética de realizar também os testes de percepção de fala para validar a sua seleção e indicação. O processo de adaptação de um aparelho auditivo é bastante complexo e exige conhecimento do fonoaudiólogo que o realiza. Existem inúmeras pesquisas e artigos publicados mostrando que até dispositivos mais simples podem ficar muito bons e cumprir as expectativas quando corretamente adaptados e verificados.
No caso dos bebês e crianças pequenas existem produtos pediátricos no mercado e que também estão disponíveis tanto na rede privada quanto no SUS. Para atender esta população é necessária ainda mais a expertise e experiência do profissional e o uso das medidas objetivas de verificação se faz obrigatória. Não podemos errar na seleção e adaptação dos dispositivos de tecnologia auditiva infantil, pois o desenvolvimento de fala e linguagem oral dependem totalmente da quantidade e da qualidade do acesso que eles irão fornecer à criança.
*Mariana Guedes:
Graduação em fonoaudiologia e Mestrado em Ciências pela Faculdade de Medicina da USP. Especialização em Audiologia pela Santa Casa de SP, idealizadora da empresa e clínica Audição na Criança com foco na reabilitação auditiva precoce. Consultora da Cochlear para o board de Reabilitação Auditiva Latino-América e mentoranda no programa LSLS AVT ® da AG Bell Association (Listening and Spoken Language Specialist on Auditory Verbal Therapy). Consultora em audiologia para o projeto #surdosqueouvem, vencedor do prêmio Community Leadership do Facebook e vice coordenadora do Comitê de Reabilitação Auditiva do Depto de Audição e Equilíbrio da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia (SBFa)