Muita atenção com nossas crianças para evitar o abuso e a exploração sexual infantil. A situação piorou com a pandemia
Alessandra Borelli* Publicado em 18/02/2021, às 00h00 - Atualizado às 13h47
Falar de pornografia infantil é intentar transformar o cenário em busca de um hoje e amanhã melhor. Não podemos nos eximir da responsabilidade que todos, sem exceção, temos em relação às nossas crianças e adolescentes. Se alguém nos pergunta: “Você está sabendo que mais crianças estão sendo assediadas virtualmente durante a pandemia?”, não podemos simplesmente responder “Sim, fiquei sabendo. Que triste!”. Temos que pensar sobre como podemos mudar essa condição. Nossa atitude diante da informação faz muita diferença. Saber como orientar, prevenir e constatar possíveis abusos é, sem dúvida, uma forma de posicionar-se rumo ao enfrentamento.
Nem todo mundo sabe, mas o período pandêmico que acomete o planeta representa uma crise que perpassa os riscos à saúde e potencializa, ainda mais, a violação aos direitos de nossas crianças, vez que além do aumento de sua exposição às telas, a perda da renda de muitas famílias tem representado um gatilho para o aumento significativo da probabilidade de crianças serem exploradas sexualmente, também, no universo digital.
Não, não se trata de um novo crime, pelo contrário, mas nunca foi tão fácil o acesso a imagens de crianças em situações íntimas ou privativas, assim como ganhar sua aproximação e conquistar sua confiança. A incrível habilidade que dispõem com as novas tecnologias não as fazem mais preparadas para o mundo, seja ele digital ou “real”. Fisiologicamente continuam imaturas, desprovidas de discernimento e em condição peculiar de desenvolvimento.
O comércio ilícito de imagens, assim como o compartilhamento de vídeos de conteúdo íntimo e sexual infantil aumentaram exponencialmente nos últimos anos, sobretudo porque as imagens de uma mesma criança podem ser replicadas infinitas vezes.
Quando tudo gira em torno das mídias sociais digitais; o estudar, o socializar e o informar e, quando somos contínua e sorrateiramente “convidados” a compartilhar cada vez mais informações sobre nossas vidas, há de se considerar que, sem pensar, também convidamos, sem nenhum critério, qualquer pessoa para delas fazer parte.
E, diferente do que muitos pensam, meninas não são as únicas a sofrer com a pornografia infantil, e ainda pior, boa parte das vítimas demoram a perceber que estão sofrendo, de fato, um abuso, o que faz com que o processo se agrave e seus efeitos sejam ainda mais devastadores.
A tipificação do crime de pornografia infantil encontra-se prevista nos artigos 218-C do Código Penal e 240 e seguintes do Estatuto da Criança e do Adolescentes.
Oferecer, trocar, transmitir, vender, distribuir, publicar, por qualquer meio – inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática – fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente são atitudes que tipificam a prática do crime de pornografia infantil, assim como adquirir, possuir ou armazenar conteúdo desta natureza.
Veja que o tipo penal tem o escopo de, inclusive, atingir aquele que recebe a pornografia infantil, ou seja, aquele que, seja da forma que for, obtém, guarda e/ou mantém armazenado material envolvendo criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfico.
Impressiona a quantidade de conteúdos encontrados em computadores utilizados por funcionários em empresas que não levantavam qualquer suspeita de que entre eles, havia alguém envolvido com pornografia infantil. Sim, porque sua identificação nem sempre é fácil, já que, aparentemente, podem ser pessoas absolutamente “comuns”.
Por isso, é sempre muito importante que empresas, por meio de seus programas de treinamento, não deixem de inserir o tema “pornografia infantil” na pauta, alertando com veemência seus colaboradores acerca das consequências que a posse ou distribuição de conteúdo pornográfico envolvendo crianças e adolescentes podem acarretar. Algo que, inclusive, deve-se fazer constar das respectivas políticas internas e regras sobre a utilização dos recursos de tecnologia da organização. É preciso desencorajar a busca por esse tipo de conteúdo.
O abuso ou exploração sexual infantil acontece quando o predador ou o criminoso se vale de sua autoridade ou poder de persuasão, convencimento e estratégias, muitas vezes envolvendo dinheiro, para conquistar a confiança da vítima. O ambiente perfeito é aquele onde a vítima se sente mais à vontade: redes sociais, salas de bate papo, chats de games, grupos de WhatsApp, entre outros. Redes sociais e chats de games hoje constituem as principais portas de entrada para a prática. É neste tipo de ambiente que os abusadores desenvolvem esse relacionamento adquirindo com a criança a confiança necessária. Daí a importância de se respeitar a classificação indicativa, tanto para acesso às mídias como para utilizar os próprios comunicadores e chats de games.
Se fazem passar por artistas, jogadores de futebol, influenciadores digitais, agenciadores de modelos e novos talentos e, claro, muitas vezes se valendo de informações compartilhadas pelas próprias vítimas ou familiares em seus perfis pessoais.
Equivocadamente, há quem pense que o abuso sexual infantil somente se dá quando há um contato físico, quando na verdade, o abuso está presente também: no falar com uma criança de forma sexualmente explícita, no enviar mensagens sexuais, no expor uma parte sexual, no forçar uma criança a assistir um ato sexual, entre outras, tão abomináveis quanto, atitudes. Lembrando que, não precisam ser forçadas para caracterizar o abuso.
Qualquer criança pode ser vítima de pornografia e abuso sexual infantil e tão importante quanto prevenir é constatar tempestivamente que uma criança pode estar sendo vítima. Sinais como: lesões em quaisquer áreas do corpo, ansiedade, perda do apetite, comportamentos sexuais inadequados para a idade, desenhos com cenários sexualmente explícitos, medos, dificuldades para comer, dormir, ficar sozinha, depressão, automutilação, queda do rendimento escolar, entre outros, precisam ser investigados.
Assim, sem prejuízo dos debates e iniciativas nacionais e internacionais de prevenção e combate à pornografia infantil e, considerando ainda a relação cada vez mais estreita e precoce de nossas crianças com as novas tecnologias da informação e comunicação, conversar sobre o assunto é mandatório, tanto no ambiente escolar quanto familiar. Se queremos a compreensão das crianças acerca deste e outros riscos a que estão sujeitas no universo digital e mitigar as chances de se tornarem vítimas (ou infratores) de crimes e ilícitos cibernéticos, é preciso falar sobre eles.
Quando não falamos sobre isso, o abuso e a impunidade prosperam. Sem a orientação dos adultos que as cercam, nossas crianças tirarão as próprias conclusões a partir daquilo que a internet diz e do jeito dela.
*Alessandra Borelli, advogada especialista em proteção de dados, direito e educação digital, sócia e CEO da Opice Blum Academy