Colaborador do Papo de Mãe, Raphael Preto Pereira, faz uma análise da falta de inclusão que também existe no mercado cinematográfico. Quantos atores ou atrizes cadeirantes você conhece?
Raphael Preto Pereira* Publicado em 28/04/2021, às 00h00 - Atualizado às 11h29
Ainda não assisti a Crip Camp. O documentário, que está disponível na Netflix e foi indicado ao Oscar de melhor documentário, retrata a luta das pessoas com deficiência pelos seus direitos civis. Justamente por não ter assistido a obra, não escrevo para criticá-la do ponto de vista artístico. Mas sim, para provocar um exercício de imaginação sobre o que aconteceria se o filme tivesse levado a estatueta.
Uma grande amiga, também cadeirante, observou que, por causa do filme, pela primeira vez o palco do Oscar foi equipado com uma rampa, para receber os possíveis ganhadores da estatueta, que tinham deficiência. A página do filme no Twitter também comemorou a acessibilidade no palco.
Se Crip Camp tivesse ganho, aconteceriam algumas coisas bem previsíveis. A primeira é que durante algumas semanas a quantidade de visualizações do filme subiria. Também é quase certo que os protagonistas do filme seriam entrevistados por diversas redes de televisão, que repetiriam as mesmas perguntas: a luta valeu a pena? Quanto você acha que a sociedade evoluiu desde que você iniciou a sua militância?
E acabou. Certamente a repercussão seria curta e rápida. Uma situação parecida com o que acontece com os ex-participantes do Big Brother Brasil, que tem no mínimo um ano de fama, até que apareça outra safra de candidatos à celebridade.
Pessoas com deficiência não costumam ter vida fácil no mercado de trabalho. Eu sou uma delas. Mas não sou ator. Se fosse, imagino que a coisa seria bem mais complicada. Atores com deficiência são obrigados a interpretar personagens que muitas vezes ficam limitados à deficiência.
Há alguns exemplos disso no Brasil: Joana Mocarzel, Danieli Haloten, Flávio Silvino e Tabata Contri (posso ter esquecido de alguém), todos esses são pessoas com deficiência que interpretaram, em algum momento, personagens em novelas.
Na maioria dos casos, é inegável que as participações geraram um debate, uma pequena faísca de mobilização e ativismo, que logo se apagou. Uma pessoa com deficiência que invista tempo e dinheiro em curso de interpretação não pode ficar limitada a um único papel. Além de isso ser ruim para a sua carreira, é impossível se manter financeiramente tendo feito apenas um papel a vida inteira.
A situação é parecida nos Estados Unidos. A única atriz surda a ganhar um Oscar foi Marlee Matlin, em 1986. Depois, fez participações e até uma série que durou sete temporadas na rede de televisão americana ABC. Mesmo assim, até vê-la na entrega do Oscar no último domingo, eu não tinha ideia de sua existência.
Provavelmente, o mesmo processo de esquecimento acontecerá com Crip Camp. A luta para tornar visíveis pessoas com deficiência é diária. Temos que naturalizar a nossa presença em filmes, na televisão. É preciso que a nossa presença em premiações, eventos sociais e na indústria da mídia seja naturalizada. E não se consegue premiando um filme a cada 10 anos.
Bom mesmo será o dia em que a minha existência não causar surpresa, aí eu não vou me sentir obrigado a escrever artigos como este. E poderei assistir a um filme buscando apenas entretenimento e informação.
Quem viu Crip Camp me disse que é muito bom.
*Raphael Preto Pereira é jornalista e repórter colaborativo do Papo de Mãe