Ontem a favorita das Olimpíadas desistiu de competir na final individual de ginástica feminina: o que isso nos diz sobre saúde mental?
Sabrina Legramandi* Publicado em 28/07/2021, às 13h17
Quatro ouros e um bronze nas Olimpíadas do Rio de Janeiro em 2016. A quatro pódios de se tornar a ginasta mais premiada, entre homens e mulheres, da história. A grande favorita das Olimpíadas. Tudo isso resume Simone Biles, ginasta que, aos 24 anos, está participando das Olimpíadas de Tóquio, mas que ontem (27) desistiu de participar da final individual geral para “se concentrar na saúde mental”.
O caso chocou os espectadores e acendeu um alerta: como está a saúde mental das jovens esportistas de alta performance? A psicanalista Vera Iaconelli responde que, por trás de tantas medalhas, está uma infância que não é vivida como infância e uma adolescência que não é vivida como adolescência.
Não existe uma relação entre saúde, psíquica ou física, e esporte de alta performance: o corpo é levado ao extremo, o psiquismo é levado ao extremo, então há um preço a ser pago para chegar nesses pódios.” (Vera Iaconelli)
Após desistir da prova, Simone fez um desabafo e disse que a ginástica não é tudo. “Temos que focar em nós mesmos”, disse a atleta em entrevista aos repórteres presentes depois do acontecimento.
Iaconelli afirma que essa pressão extrema, na ginástica ou em outros âmbitos da vida, pode desembocar no adoecimento mental. “Na vida, a gente tem alegrias e tristezas, mas um sofrimento extremo, que a pessoa não consegue dar vazão, pode gerar o adoecimento”, explica.
Para a psicanalista, no caso de esportes de alto rendimento, cada etapa vencida significa uma maior pressão externa e interna. Além disso, a indústria dos esportes, na maioria das vezes, não considera o desejo daqueles que estão na competição. “A motivação tem que vir daquele que arrisca o pescoço fazendo uma manobra e dedicando a vida inteira dele a isso: não deve ser algo apenas para atender às expectativas dos telespectadores”, diz.
Vera Iaconelli explica que, nos esportes, as mulheres ainda sofrem pressões diferentes dos homens. “A gente tem uma história muito recente de mulheres no esporte e tudo isso vem com a questão da aparência, de mostrar o corpo e uma série de outras questões que, para os homens, não cria tanta pressão”, afirma.
Esse impacto na vida pessoal esbarra em uma necessidade de viver pelo esporte. Consequentemente, a saúde mental não escapa do impacto dessas escolhas. “Uma jogadora de futebol que quer ter filhos interrompe a sua carreira, mas um homem não precisa passar por nada disso”, exemplifica a psicanalista.
Existe a ideia de que a pessoa que desiste já está adoecida psicologicamente, mas Vera explica que o que ocorre é o contrário: desistir pode, sim, ser a solução. Além disso, também pode ser sinal de que a pessoa sabe qual é o seu limite.
Desistir de algo que está te fazendo mal, física e psiquicamente, e admitir o seu limite é um sinal de saúde mental.” (Vera Iaconelli)
A psicanalista ainda traz o alerta para alguns sintomas que podem indicar um adoecimento psíquico: perda de apetite, insônia, irritabilidade, vômitos, queda de cabelo e erupções cutâneas. Comportamentos ou sintomas excessivos podem ser um indício de que está na hora de procurar ajuda.
Simone Biles não nos mostra apenas que a saúde mental dos e das esportistas de alta performance necessita de atenção, mas que o mundo precisa voltar o olhar para a questão do adoecimento psíquico: o Brasil, por exemplo, é o quinto país com mais pessoas sofrendo com transtornos de ansiedade no mundo.
Temos que proteger nossas mentes e nossos corpos e não apenas sair e fazer o que o mundo quer que façamos.” (Simone Biles)
*Sabrina Legramandi é repórter do Papo de Mãe