O mês de junho é dedicado à conscientização da população sobre a importância do Teste do Pezinho. Uma furadinha rápida e quase indolor que pode salvar vidas.
Roberta Manreza Publicado em 13/06/2018, às 00h00 - Atualizado às 11h18
Por Instituto Vidas Raras*,
O mês de junho é dedicado à conscientização da população sobre a importância do Teste do Pezinho. Uma furadinha rápida e quase indolor que pode salvar vidas
Por isso, se faz necessária a conscientização da população sobre a sua importância. Feito a partir de gotas de sangue colhidas do calcanhar do recém-nascido, parte do corpo rica em vasos sanguíneos, o teste do pezinho, nome popular para a Triagem Neonatal, detecta precocemente algumas doenças metabólicas sérias, raras e assintomáticas que, se não tratadas a tempo, podem afetar o desenvolvimento do bebê, levar a sequelas irreversíveis ou até mesmo ao óbito. Esse rastreio permite a identificação dessas doenças antes mesmo do aparecimento dos sintomas, que, muitas vezes, podem ser evitados por meio do tratamento apropriado. Daí a dimensão de sua importância.
E daí a necessidade de levar a informação para o maior número de famílias. Essa é uma das bandeiras do Mãe Que Ama (www.maequeama.com.br), canal de comunicação (portal e mídias sociais) sobre saúde gestacional e neonatal. “O exame deve ser realizado já entre o terceiro e o sétimo dia de vida do bebê. São retiradas gotas de sangue do calcanhar e colocadas em um papel filtro especial. Não há contraindicação ou efeitos colaterais, além de durar só alguns minutinhos e ser praticamente indolor”, ressalta a porta voz do Mãe Que Ama e presidente do Instituto Vidas Raras (www.vidasraras.org.br), Regina Próspero. Após 48h de vida, o funcionamento do organismo do recém-nascido se estabelece e é possível detectar as doenças, como a fenilcetonúria, que é diagnosticada após a digestão do leite materno ou da fórmula infantil.
Atualmente, o teste do pezinho é obrigatório no Brasil em sua versão básica, que detecta seis doenças: fenilcetonúria, hipotireoidismo congênito, fibrose cística, anemia falciforme, hiperplasia adrenal congênita e a deficiência de biotinidase. “Existem versões ampliadas do exame capazes de detectar uma lista muito maior de patologias, no entanto, não estão disponíveis na rede pública de saúde, apenas na rede privada”, explica Regina.
Segundo o especialista em Neonatologia e Doenças Metabólicas Hereditárias, Dr. José Simon Camelo Júnior, professor associado da Universidade de São Paulo, apenas o Distrito Federal e o estado de Santa Catarina fazem o teste um pouco mais detalhado, incluindo a Galactosemia. As versões ampliadas diferem tanto em nomenclatura quanto em número e tipo de doenças investigadas, dependendo de cada laboratório, mas a lista do teste expandido pode chegar a 60 patologias identificadas a partir daquela furadinha no pezinho do bebê. “Os laboratórios privados podem fazer testes ampliados e expandidos com o número variável de cobertura de doenças metabólicas: de 10, 20 até mais de 50 doenças”, explica o especialista.
O custo do teste mais completo é maior, em média 450 reais, e, por isso, ter um diagnóstico amplo e, assim, mais segurança em relação à saúde do bebê acaba sendo uma condição restrita às famílias que podem fazer o investimento financeiro. Mesmo assim, é direito de todos saber que essa possibilidade oferecida pela rede privada existe, o que, no geral, não acontece. Muitas famílias não sabem da existência e importância do teste do pezinho ampliado, até mesmo por falta de orientação dos próprios profissionais de saúde que as acompanham, como no caso de Eliana Morais, de Itápolis (SP).
Mãe da pequena Helena, que nasceu aparentemente saudável em setembro De 2016, Eliana não foi orientada sobre a existência do teste do pezinho ampliado e por isso não optou pelo investimento, que teria evitado muitos dias de sofrimento e angústia na família: uma triagem expandida logo nos primeiros dias de vida de Helena teria detectado precocemente a Síndrome da Imunodeficiência Combinada Grave (SCID), doença rara que faz com que o organismo não tenha defesa contra vírus, bactéria ou fungo.
Essa síndrome não pode ser descoberta pelos seus sintomas, pois apresenta características de doenças que, em geral, podem afetar todas as crianças, como pneumonia, meningite, entre outras. Muitos casos são tratados como complicações de infecções e até alergias, enquanto, na verdade, trata-se de um problema mais grave, do sistema imunológico.
“Após passar por dias de internação, UTI, e meses de tratamentos para infecções, incluindo uma pneumonia grave, que mascaravam a doença, foi feito o estudo do seu DNA e descoberta assim, em julho deste ano, a síndrome. Minha filha hoje aguarda recursos financeiros para realizar o transplante de medula óssea em busca da cura”, conta Eliana Morais. Ela completa: “Se é passado que existe teste para detectar o quanto antes essa e outras síndromes, a gente não vai pensar duas vezes em fazer. É um cúmulo o profissional de saúde não fornecer a informação. E isso, na verdade, deveria ser pedido pelo Governo, deveria ser um exame obrigatório na rede pública porque evitaria muita criança doente em fila de espera no SUS e o sofrimento de muitas famílias, independente de classe social”.
O Dr. José Simon, compartilha a mesma opinião. “O fato de se poder fazer esse exame na rede privada melhora muito a possibilidade de detecção de doenças metabólicas graves que são tratáveis e que ainda não são cobertas no teste do pezinho no sistema público”, afirma o especialista, que julga como de extrema relevância que as pessoas tenham acesso a essa informação como opção, que também deveria ser considerada pelo Governo. “Para incluir esses exames no sistema público, o que precisamos são projetos de pesquisa que mostrem a realidade nacional e realização de estudos de custo e efetividade que demonstrem ao Governo que o rastreio dessas doenças metabólicas permite o tratamento em tempo correto, permite que o sistema financeiro do país recupere o dinheiro investido na triagem e, claro, a melhoria na qualidade de vida das crianças e das famílias”, explica Simon.
Tanto para os cofres públicos quanto para os responsáveis pelo bebê, estar coberto por um diagnóstico mais amplo traz economias. “Se o recém-nascido possui uma condição de nascença, ela vai se manifestar de qualquer forma, mais cedo ou mais tarde. Caso ela seja diagnosticada antes disso, o tratamento é planejado e mais assertivo”, destaca o especialista em Neonatologia e Doenças Metabólicas Hereditárias. É por isso que a adoção da melhor versão para o Teste do Pezinho tem de ser vista como um investimento pelo governo, podendo evitar, a depender da doença, que crianças se tornem futuros pacientes, às vezes dependentes de remédios caros ou ainda de leitos em casas de saúde.
De quando se tornou obrigatório e gratuito em todo o Brasil, em 1992, até os dias atuais, o teste do pezinho avançou algumas fases. Em 2001, o Ministério da Saúde criou o Programa Nacional de Triagem Neonatal, com o objetivo de atender a todos os recém-natos em território brasileiro, com uma implantação progressiva no país, de acordo com as condições estruturais e operacionais de cada estado. De lá pra cá foram quatro fases de incorporação de doenças ao teste até chegar na versão básica de hoje: Fase 1 – Fenilcetonúria e Hipotireoidismo congênito; Fase 2 – Anemia Falciforme e outras Hemoglobinopatias; Fase 3 – Fibrose Cística; e Fase 4 – Hiperplasia Adrenal Congênita e Deficiência de Biotinidase.
A fase 3 do exame de triagem neonatal, incluindo a fibrose cística, foi implantada em São Paulo logo após o nascimento do Henrique. Filho da paulistana Denise Pereira, Henrique é um menino de oito anos que tem fibrose cística, doença diagnosticada aos dois meses de idade e controlada graças ao diagnóstico precoce proporcionado pelo teste do pezinho ampliado na época.
“Ter a doença diagnosticada no teste do pezinho fez toda a diferença na vida do meu filho. Pudemos iniciar o tratamento preventivamente, antes de qualquer sintoma aparecer, e proporcionar um prognóstico muito melhor, além de uma boa qualidade de vida”, comenta Denise Pereira.
A fibrose cística, que hoje está entre as seis doenças rastreadas pelo teste do pezinho básico obrigatório, é uma doença genética, progressiva, grave e ainda sem cura, mas que tem tratamento. Ela afeta principalmente os pulmões e o aparelho digestivo. Os principais sintomas são pneumonia de repetição, tosse crônica, desnutrição, dificuldade de ganho de peso e estatura, entre outros. Se o tratamento for feito de maneira adequada, o paciente poderá ter uma vida praticamente normal. É o caso de Henrique.
Denise conta que o filho de oito anos estuda, passeia, tem amigos, surfa, anda de skate. “Ele é um menino grande e forte para idade. Nunca teve uma pneumonia. Tem uma vida praticamente normal. Faz o tratamento diário, que toma de uma a duas horas por dia do seu tempo, mas chamamos isso de investimento em saúde, pois são outras 22 horas para uma vida normal”, afirma a mãe, orgulhosa. “Esse tratamento específico para fibrose cística desde bebê e os cuidados preventivos que tivemos com ele a partir do diagnóstico com apenas dois meses de vida, foram e são fundamentais para mantê-lo bem. Por causa do teste do pezinho tivemos a oportunidade de nos adiantarmos à doença, tomando todas as precauções necessárias para um melhor prognóstico”, conclui Denise.
Tão importante quanto a realização do teste do pezinho, seja ele na versão básica ou ampliada, é a entrega do resultado, que pode demorar até 30 dias, mas geralmente fica disponível em uma semana. Apesar dessa previsão breve, muitas famílias ainda enfrentam problemas com estabelecimentos, principalmente na rede pública, que não cumprem os prazos, atrasando a entrega de resultados, ou até mesmo que somem com exames. “É importante ficar atento e cobrar o resultado. Normalmente, logo que chega no laboratório o exame deve ser feito e o resultado liberado praticamente de imediato, é possível até mesmo em um ou dois dias, dependendo da demanda do laboratório”, alerta o Dr. José Simon.
PEZINHO NO FUTURO
Campanha quer ampliar alcance de exame e salvar vidas
Oferecido na rede particular, Teste do Pezinho Ampliado pode identificar até 53 doenças, mas ainda não está disponível à população no sistema público
O Ministério da Saúde instituiu em junho o Dia do Teste do Pezinho, uma maneira de chamar a atenção da população para o exame e sua importância. Em sintonia com o tema, o Instituto Vidas Raras lança campanha Pezinho no Futuro em favor da realização da versão ampliada do teste na rede pública de saúde do Brasil. O exame hoje oferecido gratuitamente à população pelo SUS é capaz de detectar seis doenças, enquanto o ampliado consegue diagnosticar até 53.
No Brasil, o Teste do Pezinho Ampliado está disponível somente na rede particular e chega a custar R$ 450. A campanha tem por objetivo sensibilizar a opinião pública sobre as vantagens da universalização do exame. “Quando falamos que se tria seis patologias, sabendo que se pode triar até 53, você entende o que muita gente está perdendo. Várias dessas doenças não têm tratamento ainda, mas se trabalharmos com prevenção e diagnóstico precoce, podemos mudar totalmente a história de vida do paciente e sua família”, diz Regina Próspero, vice-presidente do Instituto Vidas Raras.
A própria Regina poderia ter evitado um drama pessoal caso o teste do pezinho ampliado estivesse disponível no país no ano de nascimento de seu primeiro filho. Niltinho morreu em 1995, aos 6 anos. Ele tinha mucopolissacaridose tipo 6 (MPS6), doença que pode ser detectada pelo exame. Dudu, segundo filho de Regina, tem a mesma enfermidade, mas como teve acesso ao diagnóstico um pouco mais cedo do que o irmão, conseguiu recuperar algumas habilidades perdidas e impedir a evolução de outras sequelas. Hoje, aos 28 anos, Dudu não desiste de lutar por uma vida normal. Está concluindo o segundo curso de graduação.
Exemplo a ser seguido
O Distrito Federal tem um projeto pioneiro no Brasil e desde 2012 oferece à população o Teste do Pezinho capaz de detectar 30 doenças. Nos primeiros três anos, a taxa de mortalidade infantil caiu 2,1%. Segundo a médica responsável pelo projeto, Maria Terezinha de Oliveira Cardoso, a queda está diretamente relacionada à oferta do exame ampliado. “É preciso empenho e investimento do Estado. Há retorno e estamos trabalhando para salvar a vida de diversas crianças”, afirma Terezinha, coordenadora do Centro de Referência de Doenças Raras da Secretaria de Saúde do Distrito Federal.
Além da possibilidade de salvar vidas, estudo realizado pelo pediatra e pesquisador da USP de Ribeirão Preto, José Simon Camelo Júnior, demonstra que a adoção do teste ampliado também é capaz de reduzir os custos do sistema de saúde pública. Segundo o levantamento, publicado em revistas científicas internacionais, a cada 19 mil bebês é identificado um caso de galactosemia (uma das doenças detectada pelo Teste do Pezinho Ampliado). Os custos para o tratamento desses pacientes sem o diagnóstico precoce ao longo da vida é maior para os cofres públicos do que o valor necessário para a adoção do teste capaz de apontar o problema.
História de vida
Uma das doenças que apenas o teste ampliado consegue identificar, por exemplo, é a síndrome de ASA (argininosuccinic aciduria), enfermidade que, por reações metabólicas, transforma a proteína em ureia, excretada pelos rins com a urina. Com esse ciclo deficiente, o nível de amônia no organismo fica alterado. Como consequência, causa problemas no fígado e gera, inclusive, danos neurológicos. Esse foi o drama vivido por Alice e seus pais.
A menina nasceu em Brasília (DF), em maio de 2017. No terceiro dia de vida, começou a apresentar sintomas que a levaram para a UTI. Depois de diversos exames, o quadro se agravou e a menina teve paradas cardíacas. A solução foi a transferência para São Paulo (SP). Passaram-se quatro meses até finalmente o diagnóstico ser dado.
A demora na identificação do problema, no entanto, exigiu medidas drásticas. Quando veio a alta da menina, a família decidiu deixar o país. “Mudamos para o Canadá, onde o governo custeia todo o tratamento da minha filha. Alice não sobreviveria no Brasil”, conta o pai. Alice está nos preparativos para o transplante de fígado (o dela já não aguenta mais a digestão dos medicamentos).
*O Instituto Vidas Raras foi fundado em 2001 por pais de pacientes com Mucopolissacaridoses. É uma organização não governamental sem fins lucrativos, de âmbito nacional que visa promover os direitos constitucionais das pessoas com doenças raras. Desenvolve um trabalho de acompanhamento das pessoas acometidas por essas enfermidades e de suas famílias em todo o país. Todo trabalho é embasado e norteado pelos pilares: Ética, Honestidade, Transparência e Comprometimento. A entidade atua na orientação e conscientização da sociedade e da classe médica sobre a existência de doenças raras. Busca atuar em centros de tratamento, divulgando e propagando nas mídias sociais e nos veículos de comunicação em geral os assuntos relacionados às doenças raras. Além disso, promove diversas atividades e eventos específicos, contribuindo ainda mais na propagação dessa temática.