Fala-se muito em empatia hoje, mas ninguém tem o poder de se colocar na pele do outro, principalmente quando se está dentro de uma bolha
Mariana Wechsler* Publicado em 23/02/2022, às 08h00
“Você não entende porque nunca aconteceu com você”.
Essa foi a resposta de uma das minhas filhas, aos 4 anos, depois que insisti que ela fizesse uma apresentação na escola que não queria fazer, não queria se expor em lugares onde todas as crianças falavam o mesmo idioma menos ela.
Doeu em mim imaginar o que ela estava sentindo e saber que é verdade: eu não entendo mesmo, e nunca entenderei completamente.
Fala-se muito em empatia hoje, como se fosse um processo prático de se colocar no lugar do outro. Como se isso fosse viável e não é: ninguém tem poder para se colocar na pele do outro. “Se fosse comigo”, tudo que você vai encontrar nessa expressão, não é empatia pelo outro, é sobre você.
Pouco antes do início da Segunda Guerra meu avô, aos 12 anos, desembarcava no litoral brasileiro, fugindo da fome e miséria que assolava a maioria dos países europeus no século 19.
Com ele aprendi a importância de prezar a família e cultivar bons amigos, ele sempre nos dizia: “Durma bem, beba muita água e faça amizades. Mariana, para se ter bons amigos, você precisa ser antes uma boa amiga”.
Antes de desembarcar no Brasil, seus pais e irmãos viviam como andarilhos, nas mais diversas regiões, fugindo das atrocidades oriundas do nazismo.
Tenho total compreensão que nunca serei capaz de sentir as marcas e cicatrizes que cobriram os corpos das pessoas que viveram nesse verdadeiro pesadelo. Meu avô temia dividir sua história e a sua cultura, era como se tudo fosse apagado e na nova vida uma esperança surgida.
Esses dias vimos uma alucinação tomando forma. Um cidadão, utilizando de seu tempo num dos maiores podcasts do Brasil, fez uma indagação “impensada” (segundo ele momentos depois), de que o Brasil deveria ter um partido nazista, se assim as pessoas quisessem.
Para tentar entender de onde partia aquela afirmação, busquei assistir outros episódios e ouvir outras vozes. Achar “interessante” trazer ao cenário político e das ideias algo que marcou perversamente tantos corpos, não me parece humano.
Não deveríamos, mas vivemos em bolhas. E nossa vontade imediatista é concertar tudo que é diferente, tudo que não é normal ou igual. O assunto em questão foi o nazismo, mas poderia trocar por capacitismo, racismo, LGBTfobia, exclusão social, machismo, violência contra as mulheres, crianças e minorias.
Quando você vive numa bolha, onde você pode dizer o que pensa sem qualquer retaliação, a ignorância não tem absolutamente qualquer limite. Einstein já dizia que inteligência somos capazes de medir, mas a ignorância não.
Esse cidadão vive numa bolha, a bolha do homem branco. O homem branco possui liberdade em se expressar, em errar, em mostrar como pensa e são os grandes estrategistas em trazer soluções afim de concertar os erros do mundo, que nunca são dele mesmo.
Para além de um exercício equivocado, para o homem branco a empatia é colocada no lugar do opcional, que se der certo palmas para ele e se não funcionar, não era a obrigação e tá tudo certo - e logo vem uma lista de motivos plausíveis, afinal cada um tem sua história - o seu mérito.
Nós somos todos sintomas de uma cultura que evoca o normal como algo que eu faço parte, deixando quem é diferente fora dessa realidade em um limbo entre quem é e o que a sociedade diz que deveria ser. Tirar o normal daquilo que é humano é uma mudança de paradigma urgente, que só vamos dar conta através do afeto. Precisamos (re)humanizar o nosso olhar e nossas atitudes.
É preciso abrir espaços. Acordar um dia e olhar bem para os cantos da casa, do corpo, da consciências e assumir as mudanças. Decidir o que precisa ir embora. É preciso deixar ir a coisa tóxica, aquilo que te deixa pra baixo e, pior, aquilo que diminui os outros. Toda pessoa tem seu lugar de fala numa conversa, é necessário saber qual é o seu e ficar muito atento para não invadir o do outro.
Vejo pais querendo respostas sobre como ensinar os filhos a terem empatia e a serem inclusivos com a diversidade e pergunto: a sua comunidade é diversa? Sua família, seus amigos, quem frequenta sua casa? Crianças não aprendem a respeitar pessoas imaginárias. Enfrentar nossos preconceitos não é sobre combater o outro, é sobre questionar as ideias que nos trouxeram até aqui - nessa bolha. Vamos ensinar nossas crianças aprendendo primeiro. Você tem todo potencial para ser uma pessoa fantástica pra seu filho, então seja.
O mundo precisa de gente que não parte apenas de si, gente capaz de sonhar soluções que abracem as pessoas. Ao me tornar mãe, não me tornei mais mulher, me tornei mais humana.
Eu quero muito saber um pouco da sua história. Manda aqui para a redação algo que você queira dividir, um desafio que você passou ou passa cuidando de uma criança. Quero conhecer você!
*Mariana Wechsler, Educadora Parental, especialista em educação respeitosa, budista há mais de 34 anos e formada em Comunicação. Mãe de Lara, Anne e Gael. Escreve sobre parentalidade consciente, sobre os desafios da vida com pitadas de ensinamentos budistas e suas experiências morando fora do Brasil, longe de sua rede de apoio. Acredita que as mães precisam aprender a se cuidar e se abraçar, além de receberem apoio e carinho. Sempre diz: “Seja Fantástica! Seja sempre a sua melhor amiga”.
Instagram: @papodemaeoficial l Twitter: @papodemae l Facebook
Pai conta como é ter filhos gêmeos - e depois de já ter 3 outros filhos
Móveis que educam: conheça métodos que ajudam no desenvolvimento das crianças
Mães com pensamentos negativos
Junho violeta: resgate do respeito ao idoso
A relação da empatia com a foto do tênis que muda de cor