Como deve ser a adaptação na educação infantil, tanto para as crianças quanto para pais, mães e educadores
Ana Paula Yazbek* Publicado em 25/02/2022, às 06h00
Quem entra numa escola de educação infantil no início do ano se depara com uma diversidade de sensações. Do ponto de vista das crianças bem pequenas tem a novidade frente a este novo espaço e todo o estranhamento que compõe esta novidade, que pode ser expresso por uma excitação ou pelo desconforto, medo e recusa em estar neste lugar.
Os familiares sentem expectativas e expressam dúvidas sobre a escolha que fizeram. Que lugar é esse? Será que olharão meu filho/minha filha? Será que fiz a escolha certa? As sensações vão do estranhamento ao encantamento, do desconforto a um novo encantamento, da segurança à insegurança. Num mesmo dia, estes sentimentos podem aparecer.
Para quem trabalha nas escolas, há certa ansiedade em conseguir ter braços, pernas, olhares, sorrisos escondidos atrás das máscaras e colos para poder acolher as crianças e seus familiares.
É um período em que muitas coisas escapam e que dificilmente as pessoas ficam confortáveis. Tem-se um esforço e desejo de que tudo transcorra bem, que as crianças se sintam acolhidas e seguras. As famílias empenham-se em reconhecer que fizeram uma boa escolha, a equipe da escola dedica-se ao máximo para garantir o acolhimento e a escola se organiza para esta recepção e para favorecer o bem-estar das crianças e de suas famílias. Todos em busca por garantir atenção a todas as possibilidades e variáveis que possam surgir.
Quando a separação se torna possível e os pais e mães deixam de estar presentes no espaço educativo, começa uma nova etapa na adaptação e as ações voltam-se para a organização da turma, para a criação de marcos de identidade e da localização das crianças neste novo espaço que é diferente da casa, é ocupado por muitas pessoas e que as crianças, como sujeitos, precisam conseguir se localizar: quem sou eu, e como eu sou visto neste espaço?
Neste momento, inicia-se um período que demanda muita delicadeza e sensibilidade. Há a sensação de que as coisas estão entrando nos eixos, estão ficando sob controle, mas ainda há muita fragilidade, é tudo muito incipiente, com muitas idas e vindas. E, com isso, é preciso ter uma atenção muito grande aos sinais de conforto e de bem-estar das crianças.
É muito importante nomear para as crianças onde ela está e o que ela irá fazer neste lugar novo. É preciso fazer um esforço para a concretização do sentimento pertencimento, de que a criança está existindo, sendo reconhecida e acolhida por pessoas que se importam por ela e que acreditam que naquele lugar ela irá vivenciar experiências agradáveis e significativas.
Ocorre, entretanto, um certo desencontro, pois a noção de pertencimento não é instantânea, ela é construída no cotidiano, no reencontro com pessoas e situações que vão se tornando progressivamente conhecidas e significativas.
Assim, o esforço dirige-se à possibilidade de dar sentido ao presente que está sendo partilhado.
Atualmente, nas discussões sobre o tempo na escola, fala-se bastante sobre o diálogo entre Chronos e Kairós, isto é, do tempo cronológico, do relógio e do tempo da oportunidade, da experiência. Ocorre que o período de adaptação traz outra medida que é o tempo da urgência, no qual a todo momento há uma demanda a ser atendida.
Frente a isso, as escolas precisam resignificar o status dado às situações da vida cotidiana, pois elas marcam o ESTAR e cuidam do BEM-ESTAR. Deve-se olhar para elas como um conteúdo de trabalho. Se olharmos do ponto de vista da criança precisamos pensar sobre como era sua vida antes de ingressar na escola, como era o ambiente da sua casa, quanto tempo esperava até ser atendida por um adulto e como era seu envolvimento nas situações da rotina. Certamente, era infinitamente diferente do que ela está vivendo na escola. Então, fazer com que este novo espaço se torne um espaço familiar, previsível, acolhedor, em que a existência de cada uma das crianças esteja garantida, é urgente.
Quando cito existência, estou me referindo a fazer com que a criança consiga se localizar neste espaço: “Eu sou___, estou neste lugar que se chama____, as pessoas que estão aqui comigo são ___, elas conhecem minha mãe, meu pai, minha vó, e/ou minha tia. Elas cuidam de mim. Se eu choro, eu recebo atenção, se eu estou brincando eu recebo um olhar que valida minha brincadeira, se estou com fome, sei que logo irei comer, se estou com sono, sei que vão me colocar para dormir, se minha fralda fica cheia, colocam uma limpa e, no fim do dia, garantem o meu reencontro com a minha família e compartilham tudo isso que eu vivi com elas!”.
Quando se faz isso, quando se olha para estes momentos com a delicadeza que cada um deles demanda, as crianças começam a efetivamente entrar e pertencer a este espaço educativo e a partir do sentimento de pertencimento, as transições entre casa e escola se tornam muito mais tranquilas e incorporadas, porque passam a se localizar e saber da sua existência nestes dois ambientes. São existências de continuidade e, também, de rupturas porque no espaço educativo vivem as experiências de um coletivo que oferece tempo, espaços, materiais e relações para uma vivência da infância que são diferentes das oportunidades incríveis que são oferecidas no espaço da casa.
Como vimos, todo este processo é complexo e intenso, mas vale a pena ser partilhado, pois promove crescimento e construção de novos olhares.
*Ana Paula Yazbek é pedagoga, formada pela Faculdade de Educação da USP, com especialização em Educação de Crianças de zero a três anos pelo Instituto Singularidades, com mestrado em Educação pela Faculdade de Educação da USP. É Diretora Pedagógica do Espaço Ekoa, casada com Marcos Mourão com quem tem dois filhos, Marina e Pedro.