O BBB nunca teve um participante que fosse uma pessoa com deficiência
Raphael Preto Pereira* Publicado em 08/04/2021, às 00h00 - Atualizado em 09/04/2021, às 10h32
Dizem que a Globo escolhe os participantes do BBB a dedo. E partindo da definição dos confinados faz até uma novelinha. Quem assiste ao programa 24 horas por dia no Globoplay diz que é “outro programa”, eu não gosto do BBB. Vejo muito pouco de “reality” neste reality.
Não vejo nada de “realidade” em um programa que prende e vigia pessoas em uma casa com piscina, academia, sauna e uma festa nababesca por semana. Os confinados também têm a chance de ganhar prêmios em dinheiro ou brindes. E quando eu falo brindes, não estou me referindo às lembrancinhas que todo mundo ganha em festas de crianças. É sempre um celular de última geração ou um carro do ano.
E depois de sair do programa, por um ano você ainda fica se utilizando da marca de ex-BBB. Isso garante uma boa grana com publicidade, seja com televisão ou redes sociais.
Apesar de todas essas incoerências, o programa é um sucesso. No gênero do entretenimento isso acontece quando quem produz a atração consegue colocar o espectador num dilema do tipo “o que eu faria se estivesse no lugar desse cara?”
No Big Brother Brasil, ninguém é obrigado a trabalhar. A única coisa que você precisa fazer é articular para se manter no jogo. Escolher suas alianças, decidir com quem você almoça e escolher seus “inimigos”. Fora do BBB, todo mundo faz isso no trabalho ou na vida, em maior ou menor grau. Talvez acompanhar esse xadrez social seja o que garanta o êxito do programa. O BBB também consegue levantar temas sociais importantes, como racismo e machismo. É o chamado “merchandising social”,as novelas fazem a mesma coisa.
As novelas já tiveram algumas vezes personagens cadeirantes, é verdade que as histórias que envolvem os personagens com deficiência são bem fracas. Sempre passam a novela inteira lutando para se reabilitar e terminar a novela com um final feliz. E esses “finais felizes” geralmente são terminar a novela andando. E esse final só é possível porque os atores que interpretam os personagens na imensa maioria das vezes não são, de fato, pessoas com deficiência.
O BBB nunca teve um participante que fosse uma pessoa com deficiência permanente. Na edição atual, um participante quebrou a perna durante o programa. Durante o tempo em que ele foi obrigado a andar de muletas, as provas foram adaptadas para que ele pudesse realizá-las.
A participação de uma pessoa com alguma restrição de mobilidade acabou acontecendo meio “sem querer”.
Se depender do diretor do programa, Boninho, nunca haverá a “participação fixa” de uma pessoa com deficiência. “A casa do BBB não está preparada para receber pessoas especiais”, disse o diretor do programa quando foi questionado por um seguidor, que era cadeirante, sobre a possibilidade de participar do programa.
Só o formato da piscina da casa do Big Brother Brasil mudou pelo menos umas três, quatro vezes. Cada vez que o programa vai começar, o apresentador faz um tour pela casa mostrando as reformas que foram feitas para a nova temporada do programa.
Será que nunca ninguém pensou em fazer uma casa adaptada?
Não sou ingênuo. Não é factível pensar que alguém faria isso sem algum motivo. Então eu pergunto: o banheiro da casa, por exemplo, não poderia ser adaptado? Não facilitaria a vida de um participante que quebrasse a perna, por exemplo, como acabou acontecendo?
Também não quero que ninguém faça isso à toa. Quanto será que uma empresa pagaria para fazer a automação da “casa mais vigiada do Brasil”, tornando-a mais acessível para pessoas com deficiência?
Sou uma pessoa com deficiência e me incomoda ter que ficar “encontrando bons motivos” para justificar a minha presença nos espaços.
Por que pessoas com deficiência devem estudar em classes regulares? Por que os comerciantes precisam levar em consideração a acessibilidade na hora de construir seus comércios?
Passar anos precisando lembrar as pessoas de obviedades bestas é cansativo. Direitos não devem ser justificados.
Houve uma participante atleta paralímpica no BBB17, Marinalva de Almeida, que utilizava uma prótese em um das pernas. A presença dela é uma prova de que pessoas com deficiência podem, sim, participar do programa sem que isso altere sua dinâmica. Para discutir acessibilidade, seria de grande valia a presença de surdos, cadeirantes, cegos.
*Raphael Preto Pereira é jornalista, tem 26 anos. Foi estagiário no Instituto Alana e já colaborou com a Folha de S.Paulo e com o UOL, sempre cobrindo educação e direitos humanos. Entre 2013 e 2019, foi correspondente da Agência Mural de Jornalismo das Periferias. Também colaborou com o Portal Lunetas.