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Câncer Infantojuvenil: toda queixa importa

23 de novembro é o Dia Nacional de Conscientização sobre o Câncer Infantojuvenil

Dra. Flávia Martins Delgado* Publicado em 23/11/2021, às 10h10

O câncer na infância e adolescência: toda queixa importa! - Getty Images
O câncer na infância e adolescência: toda queixa importa! - Getty Images

Embora represente a principal causa de morte por doença entre 1 e 19 anos, o câncer na infância e adolescência é uma doença rara, fazendo com que pais, cuidadores e médicos, não pensem nessa possibilidade diagnóstica diante de sinais e sintomas suspeitos. Além disso, estes sinais e sintomas ao início do quadro são muitas vezes comuns a outras doenças não graves. E como fazer o diagnóstico precocemente então?

Bem, vamos dividir o período de tempo entre a queixa da criança ou adolescente ou o surgimento do sintoma e o diagnóstico do câncer em 3 intervalos.

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O primeiro se dá entre o surgimento do sintoma ou queixa e a procura da família pelo primeiro atendimento médico. Além da melhora do acesso à saúde e da importância do acompanhamento regular, uma forma de diminuirmos este intervalo é informarmos você, pai, mãe ou cuidador sobre os sinais e sintomas mais comuns do câncer, objetivos de muitas campanhas na mídia. No entanto, apenas isto não basta. Algumas vezes os sintomas são sutis, outras vezes muito parecidos com sintomas de doenças comuns. Assim, cito aqui algumas dicas importantes:

  • observe atentamente a criança ou adolescente no seu dia a dia, como hora de acordar, hora de dormir, qualidade do sono, alimentação, frequência e características do xixi e do cocô, comportamento e interesse nas atividades diárias, evolução dos marcos do desenvolvimento neurológico, entre outros;
  • ouça e valorize a queixa da criança ou do adolescente. Se inicialmente não for algo que realmente chame atenção, atente-se nos próximos dias até que essa queixa desapareça. Se ela se tornar recorrente ou surgirem outras queixas ou sintomas associados, procure um médico;
  • leve em consideração a frequência e cronicidade dos sintomas, mesmo que discretos;
  • dor recorrente em criança ou adolescente nunca é normal! A criança e adolescente geralmente não têm dor nas costas por esforço, ou no joelho por praticar esportes, na cabeça por ficar no celular ou na barriga por comer mal. Dor recorrente em criança e adolescente deve ser sempre investigada.

O segundo intervalo acontece entre a consulta ao médico do primeiro atendimento e o encaminhamento ao serviço especializado. A criança ou adolescente têm o direito a uma consulta de qualidade, não importa se no serviço público ou privado. Para que você possa avaliar se está recebendo o atendimento que merece, sugiro alguns pontos a serem observados:

  • Observe a atenção despendida pelo médico à criança ou ao adolescente desde o momento em que entra no consultório. Se por acaso o médico parecer distraído, pergunte educadamente: “quer que eu o aguarde até terminar o que está fazendo?”;
  • Fale com calma o que o levou a procurar por essa consulta e sobre tudo aquilo que achar conveniente, comente se já procurou outros médicos pelo mesmo motivo anteriormente, leve receitas de medicamentos, solicitações ou resultados de exames. A avaliação médica depende muito da história relacionada ao sintoma. Não se iniba com perguntas objetivas do médico na tentativa de abreviar a consulta. Conte todos os detalhes que achar importante;
  • Deixe que a criança ou adolescente explique o que sente e que faça perguntas diretamente ao médico. Os pais ou cuidadores são os melhores porta-vozes do paciente, no entanto, o sujeito da consulta é a criança ou adolescente;
  • Se o médico não tomar a atitude de examinar a criança ou adolescente por inteiro, peça que ele o faça. Não há sistemas independentes em nosso organismo. Muitas vezes, sinais importantes não referidos por você ou pelo paciente podem ser encontrados no exame físico;
  • Entenda o que o médico está propondo como conduta, seja a observação domiciliar do sinal ou sintoma, seja um tratamento medicamentoso, seja a investigação diagnóstica ou o encaminhamento ao especialista. Diante do encaminhamento ou solicitação de exames, pergunte claramente qual a urgência destas condutas, se dias, semanas ou meses, e qual a hipótese diagnóstica, ou seja, o que o médico está “procurando”. Tenha em mente que câncer na infância e adolescência são, em geral, doenças rapidamente progressivas, diferentes de câncer na fase adulta;
  • Se tiver dúvidas, pergunte novamente até que elas sejam sanadas ou ao menos entendidas. Não se contente com frases como: “isso é normal” (se fosse normal, você não teria procurado o médico. Pode ser esperado, porém não é normal, ao menos para você), “é apenas uma virose” (uma virose é uma virose, que pode se agravar ou se resolver espontaneamente, ou precisar de tratamento, ou nem ser de fato uma virose!), “isso não é nada” (pode ser algo sem gravidade, mas foi o motivo que o levou a procurar atendimento, então é alguma coisa). Muitas vezes não teremos o diagnóstico e sim uma ou mais hipóteses diagnósticas. Compartilhar a dúvida do diagnóstico é essencial para que você fique atento a não resolução ou piora dos sintomas ou ao surgimento de sintomas associados.

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No último intervalo, temos a investigação diagnóstica conduzida pelo especialista até o diagnóstico final. Faz parte desta etapa o estadiamento da doença, seja por procedimentos, exames de imagem e/ ou exames laboratoriais, até que possamos iniciar o tratamento. A depender do diagnóstico, ela pode ser mais ou menos longa. Por exemplo, na leucemia, câncer mais comum na faixa etária pediátrica, geralmente o período de investigação é curto. Em alguns casos, em dois dias da admissão iniciamos o tratamento do paciente. Já para aqueles tumores do sistema nervoso central, segunda neoplasia mais comum na infância, a investigação e início do tratamento pode levar de 15 a 30 dias, a depender do tipo de tumor. Para que esta etapa aconteça da forma mais rápida possível e o tratamento se inicie, ela deve ocorrer em hospital especializado no tratamento oncológico infanto juvenil. No Brasil, temos inúmeros hospitais públicos e privados capazes de oferecer excelente tratamento às crianças e aos adolescentes com câncer. De forma geral, mesmo nos serviços públicos, não há fila para acesso a estes hospitais. Diante da hipótese diagnóstica de câncer, é responsabilidade do médico do primeiro atendimento encaminhar o paciente ao centro especializado de referência mais próximo do domicílio do paciente para consulta ambulatorial ou por transferência de internação.

Enfim, além do conhecimento dos sinais e sintomas do câncer infantojuvenil, a comunicação é essencial para que possamos diagnosticá-lo precocemente, desde a comunicação entre a criança ou o adolescente e sua família, que nem sempre ocorrerá por meio de palavras e deve ser acolhedora, a comunicação da criança ou adolescente e família com o médico do primeiro atendimento, que deve ser clara e assertiva, e ainda assim empática, até a comunicação entre os serviços de saúdes através de seus protagonistas, que deve ser eficiente.

Mais uma vez: 80% dos casos de câncer em crianças e adolescentes podem ser curados se descobertos rapidamente. Por isso, é tão necessário estar atento aos sinais iniciais do câncer, valorizar as queixas das crianças e adolescente, principalmente as recorrentes, e exigir atendimento médico de qualidade. Afinal, toda queixa importa!

*Dra. Flávia Martins Delgado é oncologista pediátrica e membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Oncologia Pediátrica (SOBOPE).

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