A votação aprovou o texto-base que deve ir a plenário. O projeto de lei legaliza o cultivo de maconha para fins medicinais no Brasil
Maria Cunha* Publicado em 08/06/2021, às 18h20
O plantio de cannabis sativa, conhecida popularmente como maconha, com fins medicinais, veterinários, científicos e industriais foi aprovado nesta terça-feira, dia 8, na comissão especial da Câmara. A votação do Projeto de Lei 399/15, do deputado Fábio Mitidieri (PSD-SE), teve placar apertado e a bancada governista era contrária à aprovação. O resultado foi 17 votos favoráveis e 17 contrários, cabendo ao relator do texto, Luciano Ducci (PSB-PR), desempatar.
É importante dizer que o cultivo é permitido apenas por pessoas jurídicas, como empresas, associações de pacientes e ONGs. Para o plantio individual, não há previsões. A proposta aprovada permite “cultivo, processamento, pesquisa, armazenagem, transporte, produção, industrialização, manipulação, comercialização, importação e exportação de produtos à base de cannabis”. A incorporação desses medicamentos pelo SUS também foi permitida.
Alguns detalhes ainda estão em discussão. Após a conclusão, o projeto de lei seguirá para apreciação do plenário da Câmara. A ideia da bancada governista é realizar uma pressão política no presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para que o texto demore a ser colocado em prática. Também é provável que opositores tentem um recurso.
Na sessão, deputados como Osmar Terra (MDB-RS), alinhados com o atual presidente Jair Bolsonaro, afirmaram que a votação do projeto de lei representa mais um passo para a legalização do uso da maconha no Brasil, chamando o texto de "marco legal da maconha". Além disso, os deputados mais conservadores afirmam ser a favor do uso medicinal, mas afirmam que o cultivo não é necessário, já que é possível a importação de pequenas quantidades.
Em defesa do projeto, deputados como Rafael Motta (PSB-RN), lembram que o projeto de lei irá facilitar a produção de remédios de difícil acesso e alto custo, já que um dos principais argumentos defendidos foi a necessidade de baratear a cannabis medicinal no Brasil.
Desde 2020, a venda de derivados medicinais é permitida em farmácias, mas o cultivo no país não. Caso o projeto seja aprovado no Senado e sancionado, é um novo mercado com potencial a ser estimulado. Atualmente, a única farmacêutica a vender o derivado medicinal canabidiol é a Prati-Donaduzzi. Em abril, a Nunature também teve as vendas autorizadas, mas os produtos só devem chegar às farmácias em julho.
Antes da permissão em dezembro de 2019, a única forma de consumo de canabidiol no Brasil era por meio de importações individuais. Por ser um produto controlado, o canabidiol comprado em farmácias precisa de receita médica, enquanto o importado individualmente precisa, além da receita, de uma autorização da Anvisa.
Em setembro de 2020, o Papo de Mãe realizou um programa para tirar dúvidas e esclarecer polêmicas sobre o uso da cannabis medicinal. Uma das entrevistadas, a Dra. Letícia Brito Sampaio, neurologista infantil e presidente da Associação Brasileira de Neurologia Infantil explica detalhes importantes, como o nome correto: cannabis medicinal.
A neurologista explica que o derivado principal, a medicação, é o canabidiol e, além dele, existem outros 119 componentes na planta, entre eles o tetra-hidrocanabinol, que traz o efeito psicoativo da cannabis. É o canabidiol que pode ser usado no tratamento de doenças, como epilepsia, dores crônicas, esclerose múltipla e câncer. Também existem pesquisas sendo feitas em relação ao autismo e ao Alzheimer. A Dra. Letícia Brito Sampaio conta que existe a possibilidade de ingerir o canabidiol puro ou em forma de óleo.
Outra entrevistada do programa foi Adriana Albuquerque de Deus, contou a história de sua filha, Rafaela, na época com 3 anos. Com 1 ano e 1 mês, Rafaela teve uma bronquiolite, foi internada para receber suporte de oxigênio e pegou uma bactéria, o que fez com ela tivesse uma infecção generalizada com falta de oxigenação no cérebro. Em decorrência disso, a filha de Adriana ficou um período internada e, nesse meio tempo, teve um AVC isquêmico bilateral.
Assim, a menina desenvolveu uma epilepsia de difícil controle, tendo uma média de 25 crises por dia. Adriana conta que os medicamentos tradicionais estavam causando muitos efeitos colaterais e pouco resultado em Rafaela. A solução, então, foi iniciar, junto com as medicações, o uso da cannabis medicinal. Com isso, as crises reduziram para cinco por dia e a Adriana também percebeu uma melhora cognitiva da filha. Rafaela consome o líquido de canabidiol puro, mas com sabor de morango, já que ainda é pequena.
É importante ressaltar que os estudos são novos e que os casos devem ser tratados individualmente. Em relação ao cannabis medicinal produzido de forma caseira, por famílias através de liminares na Justiça, é necessário se atentar a qualidade e também a quantidade, para que funcione. A atenção à concentração é essencial.
*Maria Cunha é repórter do Papo de Mãe.