Não foi o fogo, nem a roda, carros ou avião. A maior invenção da humanidade foi a capacidade de dialogar. Cuidado com quem não sabe!
Mariana Wechsler* Publicado em 01/06/2022, às 06h00
Esses últimos dias, após 2 anos de pandemia, nós finalmente recebemos familiares em nossa casa. Foram dois anos sem ver alguém próximo, e por 11 dias tivemos uma rede de apoio familiar. Além claro de colocar o papo em dia, eu e meu marido aproveitamos a visita e fomos nós dois sair.
Uma excelente coincidência, o Whindersson Nunes veio fazer o show dele aqui, e em pleno sábado à noite (21) fomos assistí-lo.
Foi muito interessante ouvir o que o Whindersson trouxe para nós. As piadas foram mero recheio de um recado que ele quer transmitir ao público em sua despedida dos palcos (espero que por pouco tempo).
Sua principal mensagem no show é para não nos prendermos a uma visão individualizada e parcial sobre a vida. E que há inúmeros fatores que acabam conduzindo a forma como nos colocamos no mundo. Como ele diz no show: “cuidado com os seus Coringas” (famoso vilão dos quadrinhos).
Sem spoiler, ele conta uma passagem na vida dele que resume o motivo que o levou a fazer comédia em situações de conflito. Ele conta que na sua infância havia muitas discussões no momento do café-da-manhã. Que seus pais e diversos irmãos reagiam de formas diferentes às reclamações e divergências da família. E ele ao ver toda aquela confusão reagia com piada e palhaçada.
O Coringa, a que ele se referia para tomarmos cuidado, são esses momentos que de alguma forma definem um comportamento. No caso dele, ele encontrou na comédia uma fórmula de escape de situações de conflito.
Foi muito legal vê-lo falando de um assunto tão importante e que já escrevi por aqui. O que ele chama de Coringa, eu chamo de Momento Emocional, seu Ponto de Inflexão (M.E.P.I.).
Esse Momento (que ele chama de Coringa e eu de M.E.P.I.) criou um ponto de inflexão na vida e acabou determinando a base de um hábito – hábito nada mais é do que um comportamento repetido e alimentado por muito tempo que até acaba parecendo como se fosse parte de você, mas não é.
Em outras palavras, um hábito é algo que você repete em situações completamente diferentes, porém com o mesmo comportamento. Algo que você faz sempre em que ocorre algo - como um gatilho para o comportamento aparecer.
Se olhar agora para trás na sua vida, você é capaz de lembrar algo da sua primeira memória que remete aos mesmos momentos em que você hoje se sente irritada ou irritado, com medo de falhar, com pensamentos avoados e reagindo com evasão e irritação - o mesmo ocorre, claro, com os sentimentos mais alegres e que trazem satisfação.
Você pode se deparar com um fato aparentemente simples comparado à vida que você tem hoje.
Pode ser um dia em que seus pais ou algum adulto cuidador não deu atenção aos seus sentimentos, que você não sentiu as manifestações de suas emoções validadas, e possivelmente diminuiram a sua importância colocando outros fatos acima da sua necessidade. Você querendo uma brincadeira nova, não querendo tomar banho, ou fazendo o seu primeiro dever de casa.
E a partir desse dia, você repetiu em situações distintas o mesmo comportamento. Esse é o MEPI. Esse foi seu momento emocional que definiu a mudança de uma postura sua, que criou um novo comportamento, por isso um Ponto de Inflexão na sua vida.
Para o Whindersson, foi no momento do café-da-manhã que despertou nele uma reação de fazer comédia para evadir-se do conflito ou para tentar mudar aquela situação conturbada.
Compreender esse momento, e todos os outros seguintes, é um importante meio para transformar o que não está te agradando no seu próprio comportamento. O que você faz e como você se comporta não é quem você é realmente, mas sim uma construção. E toda construção pode ser derrubada e reconstruída.
Derrube seus muros, derrube suas paredes. Acredite que você é capaz de conquistar essa mudança.
Quanto mais você reconhecer os seus sentimentos e emoções, quanto mais você oferecer a si mesma, a si mesmo um acolhimento desse sofrimento, mais rápido será a sua transformação.
Em um dos ensinamentos budistas há uma passagem que diz: o que é costumeiro no tolo é esquecer nas horas cruciais o que prometera nas horas normais. Isso significa que, em momentos sem conflito se você ignorar quem você realmente é, você irá falhar. Em momentos em que você precisa ter consciência dos fatos a sua volta, quando você ignora-os, esse é o momento em que seu muro cresce e menos você enxerga a realidade.
Derrube seus muros e construa pontes. Reconstrua a sua memória emocional reconhecendo e aceitando suas emoções.
Se você liga uma lâmpada, você direcionou uma energia para a lâmpada, o que a fez acender. A energia contagia, seja para o bem ou para o mal.
O mesmo ocorre com nossos relacionamentos e comportamentos. Se você direcionar a sua energia para alguma situação, se você dedicar o seu pensamento a um determinado assunto, você está alimentando um determinado comportamento. E é isso que terá.
A gente acha que sabe tudo, que a nossa visão de mundo é a certa, a única possível. Que o que queremos para os nossos filhos é o melhor caminho. Esquecemos que o mundo é tão maior. E que, talvez, a nossa estratégia seja apenas mais uma entre tantas.
O VOCÊ que aparece para o mundo é a figura que você mesma imagina ser. É a figura que você coloca mais energia.
Para sair do automático, para fazer diferente, para criar uma história nova precisamos ter curiosidade no outro.
Por que será que ela falou desse jeito?
Por que ele agiu assim?
Por que eu fiquei tão nervosa?
Por que isso mexeu comigo?
Tenho como filosofia o seguinte: só é interessante quem é interessado. Ou seja, eu só serei interessante (até para meus filhos) se eu for e demonstrar ser interessada no outro, interessada na existência do outro como seres independentes.
Quando me afasto das minhas verdades sobre o outro e me abro para o diálogo é quando começo a entender que a outra pessoa não vive na minha cabeça com meus achismos. O outro existe. E respeitar a existência alheia, acolhendo seus sentimentos, é a chave da sua transformação pessoal. É como se enfrenta o Coringa.
Não foi o fogo, nem a roda, carros ou aviões. A maior invenção da Humanidade foi a capacidade de dialogar. Usufrua, exerça, não se esqueça dessa valiosa qualidade humana.
Divida seus sentimentos com seus filhos, com seu marido e sua família. Não guarde esse peso para você, pois no fim se não dividir só você carregará essa mala. A tal culpa materna, a mãe guerreira, a mulher de luta...
Eu quero muito saber um pouco da sua história. Qual seu Coringa? Qual seu M.E.P.I.? Mande aqui para a redação algo que você queira dividir, um desafio que você passou ou passa cuidando de uma criança. Quero conhecer você!
*Mariana Wechsler, Educadora Parental, especialista em educação respeitosa, budista há mais de 34 anos e formada em Comunicação. Mãe de Lara, Anne e Gael. Escreve sobre parentalidade consciente, sobre os desafios da vida com pitadas de ensinamentos budistas e suas experiências morando fora do Brasil, longe de sua rede de apoio. Acredita que as mães precisam aprender a se cuidar e se abraçar, além de receberem apoio e carinho. Sempre diz: “Seja Fantástica! Seja sempre a sua melhor amiga”.